No livro “De Belle Gallico/Comentários à Guerra da Gália”, o imperador Júlio César detalha como a vitória romana na guerra gaulesa era essencialmente uma política de dividir seus inimigos para conquistar ou para reinar. A estratégia voltou a ser utilizada séculos depois por um arremedo de político tupiniquim, cuja ideia era ganhar o controle de um lugar por meio da fragmentação das maiores concentrações de poder, impedindo que elas se mantivessem individualmente. O conceito consiste basicamente em romper estruturas existentes e não deixar que grupos menores se juntem. Como o pseudo líder desse ajuntamento que se imaginava perpétuo não passava de uma imitação, a tática deu certo até a página 2. A partir daí, houve uma sucessão de falhas, de fakes e de patacoadas, as quais culminaram em um dia de terror.
Daqui a cem, duzentos, mil anos, 8 de janeiro ficará na história como o dia em que Brasília e o Brasil pararam para assistir alguns milhares de terroristas fantasiados de patriotas vandalizarem as sedes dos três poderes das República. Quem mandou? Quem financiou? Indagações irrelevantes, na medida em que o mais importante até os postes da Esplanada dos Ministérios sabem: quebraram porque não aceitavam a vitória de um presidente que poderia representar o fim de um mito forjado na força, no ódio e no rompimento do que havia de sério. Comandada pela meia dúzia que tinha pego gosto pelo poder, a patriotada entendia que a quebradeira enfraqueceria da noite para o dia um mandatário escaldado justamente nas marchas e contramarchas do caldeirão verde oliva dos tiranos de outrora.
Por conta da desinteligência capitaneada por quem se achava mais poderoso do que o rei, o quadro que começou a ser pintado na ida à Polícia Federal para “explicar” as razões pelas quais se achou donos de joias do governo tende a ficar borrado tamanha a quantidade de tinta que ainda será jogada na tela. A próxima pincelada será nesta quarta-feira (26), quando, por determinação do xerife Xandão, o senhor das trevas prestará depoimento sobre o 8 de janeiro. O mundo inteiro conhece as razões, os objetivos, as formas e quem se beneficiaria com a trama. Falta apenas confirmar a autoria intelectual do maior atentado contra a democracia brasileira neste século. Por isso, ouso afirmar que o que parecia o começo do fim para Jair Messias, o imperador o Cerrado, virou um voucher para uma viagem sem volta. Ele volta à PF para explicar o inexplicável.
O que há meses soava com indícios, suspeitas, suposições e achismos se transformaram em fatos concretos, inquestionáveis, inaceitáveis e, portanto, passíveis de severa punição. Puxaram o fio e agora a meada não para de dar novos caminhos para a laçada final do ex-presidente terrivelmente honesto e hoje mais encalacrado do que o cego no Globo da Morte. É uma situação das mais complicadas para um cidadão que até bem pouco tempo se achava acima do bem e do mal. Passou quatro anos deletéria e nocivamente preocupado em formar terroristas para, no melhor estilo do imperador romano, amedrontar pessoas e destruir inimigos, principalmente os políticos. Perdeu a chance de se conformar com a derrota e de entender que aquele que não sabe perder…se perde.
Como um político que nasceu póstumo, o mito governou apenas para os seus. Fantasiou tanto que negou a verdade para si mesmo, chegando ao cúmulo de achar que poderia usar de mecanismos criminosos para ganhar novamente o que havia ganho de maneira nebulosa. Usar agentes do Estado para tentar impedir eleitores/contribuintes de votar em quem quisessem foi uma aberração que também precisa ser castigada. E não só ele, mas todos que, voluntária ou involuntariamente, participaram da indecência eleitoral protagonizada pela Polícia Rodoviária Federal no domingo, 30 de outubro de 2022, data em que Luiz Inácio consolidou sua terceira encarnação na Presidência da República.
Depois das oitivas e da iminente inelegibilidade, ao mito restará o mais soberbo ostracismo. Da ribalta ao palco escuro foram quatro caudalosos anos. Passado o período de punições, poucos se lembrarão que um dia o Brasil foi governado por uma alma penada. Gostemos ou não, triste é lembrar que esse mesmo Brasil já teve comandantes bem mais capacitados. Talvez nos sejam antipáticos ou ideologicamente distantes do que pensamos, mas Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Lula da Silva sempre merecerão muito mais do que pequenas citações nos livros de história. Para Jair Messias, o Júlio César do Cerrado, um verbete e nada mais.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978