Insultos mentais
Importância da liberdade de pensar antes de se dizer o que pensa
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emEle não tem papas na língua e diz sempre a verdade. Essa afirmação tem muito a ver com pessoas que não se intimidam em falar tudo o que sentem e pensam em qualquer situação. É o mesmo que não sufocar o silêncio. Em síntese, terapeutas garantem que fazer ou dizer tudo o que se pensa e sente é sempre a melhor alternativa. Desde, é claro, que haja respeito em relação ao interlocutor, também conhecido por ouvinte, e que não seja ofensa ou adjetivação jocosa o que será dito. Segundo esses profissionais, em qualquer estágio da robustez mental, informar o que sente, comentar sua opinião, dar ideias, dizer que não, fará qualquer ser humano se sentir dono de sua vida. Além de honesto, ser assertivo é reafirmar a si mesmo. Faz parte da existência física – pelo menos deveria fazer – se expressar coerente e respeitosamente sobre tudo.
Embora conheçamos argumentos contra e a favor dessa tese difundida como exemplo de honestidade, na prática a história mostra que nem sempre é louvável dizer o que se pensa. Pensamentos também são testes de ações mentais. Algumas extrapolam a mente e chegam com a rapidez de um raio aos microfones e às páginas de jornais e revistas. Nesse caso, as consequências são terríveis. Aí surge o boquirroto, substantivo masculino que define aquele que fala muito, que é demasiadamente indiscreto e inconveniente. O termo é atualíssimo e pode ser facilmente ouvido durante farofadas eleitoreiras, em discursos oficiais para seguidores desacostumados com o respeito ao próximo ou em inaugurações repetitivas de transposição de águas fluviais.
Quem age dessa forma também é chamado de linguarudo ou parlapatão. Se por um lado não falar como se sente e como percebe as coisas é uma grande injustiça com os outros e com a gente mesmo, por outro é ainda mais injusto transformar em adjetivos ressentimentos contra gêneros, opção sexual ou partidária, pessoas ou cidadãos pertencentes a uma região ou conjunto de regiões. Pior ainda é quando os adjetivos são usados unicamente com a intenção de destilar ódio, de atacar, magoar, desrespeitar, ofender. É o que podemos denominar de bostejar. Como disse Oscar Wilde no romance imortal O Retrato de Dorian Gray, “as paixões que mais nos tiranizam são aquelas que nutrimos em relação à origem de nossos enganos. Nossos motivos mais débeis são aqueles de cuja natureza temos consciência”.
Lamentável, mas é o que ouvimos diariamente. Felizmente, o povo brasileiro se aculturou emocional e racionalmente. Embora a turma do deixa disso tenha tentado por panos quentes, a verdade da afirmação está na reação aos últimos insultos de campanha. Duas ou três bobagenzinhas ditas ali, uma asneira solta acolá e meia dúzia de sandices incluídas no dia a dia acabam transbordando e transformando a “cabeça chata” de qualquer nordestino orgulhoso do gentílico num pote até aqui de mágoa. E quando isso ocorre, não se deve contar nem com Padre Cícero Romão Batista, cearense nato, mas feliz por ter sido confundido com um daqueles sanfoneiros porretas de Pernambuco.
O mesmo que irritação extrema, o último elemento do atual sentimento popular pode ser sintetizado na expressão gota d’água, a que faz tudo transbordar, que transcende ou extrapola. Posso até divergir, mas tenho de considerar que é melhor refletir do que bostejar. A bem do respeito ao semelhante, é de bom alvitre lembrar as palavras do sábio, que nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz. E não se trata apenas de pensamento filosófico. É uma tese que todo homem público deveria ter na memória ou no bolso do paletó. Em vez de atacar eventuais opositores ou ex-eleitores, o detentor de cargos não privados, principalmente os eletivos, deveriam lembrar que servem ao povo e, portanto, precisam pensar duas, três, mil vezes antes de fazer pouco caso dos horrores da execução e da divulgação de seus repetitivos insultos mentais.
Na literatura filosófica, essa forma de agir não é sinal de coragem, tampouco de honestidade. Ela é somente falta de controle, às vezes de caráter. Normalmente, o resultado é único: a forca com a própria corda. Como não acredito mais na velha fábula do empirismo de que os fatos falam por si mesmo, melhor crer que a qualidade de nossos pensamentos interfere diretamente na qualidade de nossas vidas. A conclusão lógica é simples: nem tudo que reluz é ouro, ou seja, o que para uns é uma irretocável qualidade, para outros é um terrível defeito. Por isso, prefiro a liberdade de pensar muito antes de falar um pouco sobre o que penso.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978