Dificilmente alguém não ouviu falar sobre a Lei Maria da Penha (11.340/2006), mesmo assim, no 5° país que mais mata mulheres no mundo, ainda são muitas as dúvidas que pairam sobre uma importante ferramenta trazida pela Lei para a proteção da integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial das mulheres: as medidas protetivas de urgência (MPU).
Desse ponto, já respondo ao primeiro questionamento. Sim, as medidas protetivas de urgência também podem ser acionadas nos casos de violência psicológica. Mas voltemos algumas casas para recordar quais são as violências citadas na Lei Maria da Penha, condutas essas que constituem uma das formas de violação dos direitos humanos. Segundo o artigo 7° da Lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Assim, recebida a notícia da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, em até 48 horas, o (a) juiz (a) deverá decidir sobre o pedido de medidas protetivas de urgência, entre as quais poderá aplicar, em conjunto ou separadamente, conforme determina o artigo 22 da Lei Maria da Penha: a suspensão da posse ou restrição do porte de armas de fogo, o afastamento do lar, a proibição de aproximação e contato com a vítima, entre outras que, ao analisar cada contexto, entenda necessário.
Isso significa dizer que o rol das medidas protetivas de urgência expostas no referido artigo 22 não é taxativo. Nesse sentido, trago outro ponto fundamental em processos que envolvam violência de gênero, qual seja, o preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco. Tal documento, disponibilizado logo na Delegacia de Polícia, é respondido pela vítima e permite entendermos quais os fatores de risco presentes em sua história e, por consequência, como deverá ser o trabalho de proteção para essa mulher.
Daí porque, apesar de seu preenchimento não ser obrigatório, trata-se de uma ferramenta essencial para o entendimento da situação. Por falar em não obrigatoriedade, uma outra questão que ainda gera dúvidas é a necessidade ou não de um processo criminal ou mesmo um inquérito policial para que existam medidas protetivas de urgência.
Em consonância ao que já dizia o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2021) e o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID, 2017), o novo artigo 19, incorporado à Lei Maria da Penha em 2023, não permite dúvida quanto a independência e autonomia das medidas protetivas de urgência.
A Lei 11.340/2006 é cristalina ao dizer que as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas independentemente da existência de crime, ação penal ou cível, inquérito policial ou registro de boletim de ocorrência. E mais, deverão permanecer vigentes enquanto existir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima, ou de seus dependentes.
A lógica não poderia ser outra, uma vez que a ideia desse instituto protetor é também atuar para não permitir que a violência, a qual se verifica o risco, ocorra. Se no caso concreto identificamos um relacionamento que terminou há poucos meses, um homem com ciúme excessivo, que diz não aceitar que a ex-namorada estabeleça outro relacionamento e que envia inúmeras mensagens para que ela o aceite de volta, não precisamos esperar o próximo passo da violência.
Em resumo, para que não restem dúvidas, não é preciso haver processo criminal ou inquérito policial para que a mulher tenha direito às medidas do artigo 22 da Lei Maria da Penha. Esse caráter preventivo das medidas protetivas de urgência é fundamental para frear a escalada da violência contra a mulher que, em alguns casos, chega ao feminicídio. Infelizmente, a maioria das mulheres vítimas desse terrível — e evitável — crime não estava protegida por essa ferramenta.
Evidente que não podemos apostar todas as fichas somente nas medidas protetivas de urgência, afinal, isso seria escolher um caminho diverso da criação de uma rede de proteção para a vítima, determinada pela Lei Maria da Penha. Contudo, precisamos reafirmar que essas são, sim, medidas fundamentais para que a mulher consiga se libertar do ciclo de violências de gênero em que está inserida.
*Ana Maria Martínez é advogada
Instagram: @anamartinez.adv