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Impunidade era palavra de ordem para todos os que vestiam a farda verde-oliva

Camila Maciel

As mortes em sequência do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976, três meses depois, foram para Clarice Herzog, viúva do jornalista, uma demonstração de como a impunidade acobertava as ações criminosas dos agentes da ditadura.

“A impunidade era tão grande. Eles se sentiam tão poderosos que podiam mostrar aquela foto do Vlado enforcado com pé no chão e o Fiel Filho enforcado, sentado numa privada. É uma vergonha, porque nem se preocupavam em fazer uma farsa bem-feita, porque a impunidade para eles era total”, disse à Agência Brasil.

O jurista Hélio Bicudo, na época promotor público, colheu depoimentos de ex-presos da época da ditadura para validar a versão de assassinato praticado por agentes do Estado. “Ninguém que atuava na área poderia acreditar que aquilo foi suicídio. Sabia-se, como foi no caso do Herzog, que era uma morte praticada pela polícia política”, disse.

Bicudo destaca que os dois episódios, as mortes de Herzog e de Fiel Filho, foram importantes para reconstrução da democracia no Brasil. “Essas duas mortes mostravam que a atuação dos agentes da repressão se manifestava não só na classe média, mas também na classe operária, como é o caso do Manoel. Foi uma morte que trouxe um anseio de mobilização para a sociedade, de necessidade de mudança”, afirmou.

A morte de Manoel Fiel Filho só foi tornada pública dias depois, por meio de nota divulgada pelo 2º Exército. “O Comando do 2º Exército lamenta informar que foi encontrado morto, às 13h do dia 17 do corrente [janeiro de 1976], sábado, em um dos xadrezes do DOI-Codi/2º Exército, o Sr. Manoel Fiel Filho. Para apurar o ocorrido, mandou instaurar Inquérito Policial-Militar (IPM), tendo sido nomeado o coronel de Infantaria Quema (Quadro do Estado-Maior da Ativa) Murilo Fernando Alexander, chefe do Estado-Maior da 2ª Divisão de Exército”.

O IPM foi concluído no prazo previsto de 30 dias. O procurador militar Darcy de Araújo Rebello, em 28 de abril de 1976, pediu o arquivamento do processo. “As provas apuradas são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese do suicídio de Manoel Fiel Filho, que estava sendo submetido a investigações por crime contra a segurança nacional”, alegou o procurador. Foi a mesma conclusão a que chegou o encarregado do Inquérito Policial Militar, o coronel Murilo Fernando Alexander.

O citado crime contra a segurança nacional nada mais era do que uma acusação de receber exemplares do jornal Voz Operária, do PCB. Uma acusação feita com base em informação conseguida sob tortura de outro preso político. O IPM, apesar das evidências de tortura e de assassinato, concluiu que Manoel Fiel Filho cometeu suicídio.

“Finalmente, encerrado o inquérito com o relatório de fls. 144 a 150 concluiu pela inexistência de crime, ao que vale dizer, não houve homicídio, nem instigação, auxílio ou induzimento ao suicídio, o que é punido pelo Código Penal Comum e Código Penal Militar, Artigo 207”. Mais adiante, o documento diz “que não se pode chegar a nenhuma outra conclusão, senão aquela de suicídio, na sua expressão mais simples”. Os responsáveis pelo IPM, em nenhum momento, se interessaram em investigar uma série de evidências de que o metalúrgico foi torturado e assassinado.

Artifício fajuto – Na versão oficial, Manoel Fiel Filho se “autoestrangulou” usando as próprias meias. “Disseram para eu ir lá na delegacia. Falaram da história [de suicídio], mas ele nem tinha meia daquele tipo”, disse Thereza, esposa do metalúrgico, em entrevista à Agência Brasil. Apesar das dúvidas da esposa, o IPM foi encerrado, determinando o arquivamento. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ressalta que, contrariando a conclusão do inquérito, colegas de trabalho de Manoel disseram que o metalúrgico calçava chinelos quando foi detido. Além disso, outros presos políticos informaram que os carcereiros do DOI-Codi tiravam todos os pertences dos presos na chegada à detenção, especialmente cinto e meias.

O que se passou nas horas em que Fiel Filho esteve nas dependências do DOI-Codi foi reconstruído com o empenho da família e com a atuação da Arquidiocese de São Paulo, que tinha à frente dom Paulo Evaristo Arns.

Entre os presos que estiveram com o operário na carceragem do DOI-Codi, estava Geraldo Castro da Silva. Ele relatou, conforme consta no relatório da CNV, que ouviu os gritos de Manoel durante o interrogatório, pedindo: “Não me judia tanto, pelo amor de Deus que não vou aguentar”. Geraldo disse ainda que, durante algum tempo, tudo ficou quieto e, logo após, entrou uma pessoa que, referindo-se a Manoel, disse: “Chefe, o omelete está feito”.

Agência Brasil

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