“Eu tenho 66 anos e vivi muitas crises financeiras neste país”, diz Mabel Chamatropulos, uma ex-bancária para quem o anúncio de que a Argentina buscará uma linha de crédito com o FMI é um “deja vu de tempos terríveis”.
Como ela, muitos argentinos foram surpreendidos pela decisão do presidente Mauricio Macri de recorrer ao Fundo Monetário Internacional para enfrentar a forte turbulência financeira que levou a uma depreciação do peso de mais de 7% em um único dia e elevar a taxa de juros para 40%.
Na Argentina, marcada por crises cíclicas com hiperinflação, desvalorização e bloqueio de contas, o nome do FMI é como um palavrão e mencioná-lo muda o humor.
“Seria muito triste nos transformarmos numa sociedade de classe baixa com poucos ricos. Espero que não seja como em 2001”, quando a Argentina entrou em uma crise econômica e social aguda e declarou inadimplente, afirma, no centro de Buenos Aires, Natacha, uma dona de casa de 46 anos.
Ricardo Rouvier, psicólogo social e consultor de opinião pública, afirma que “a reação do governo de recorrer à ajuda do FMI revive velhos fantasmas. E o nome FMI também cria uma percepção de maior gravidade da crise”, explica.
Em 2006, a Argentina tinha pago sua dívida com o FMI, por 9,6 bilhões de dólares, e suspendeu por uma década as revisões periódicas do organismo.
“Tipicamente argentino” – Em 2015, com Macri, a Argentina retornou à livre flutuação do peso, após anos de controle cambial durante o governo peronista de centro-esquerda de Cristina Kirchner.
A compra de dólares em espécie nas ‘cuevas’ desenvolveu o mercado negro, e os argentinos começaram a abrir contas em moedas estrangeiras em suas próprias agências bancárias.
O mercado imobiliário, que historicamente operava em dólares, foi reativado. E embora os argentinos peçam empréstimos bancários em pesos para comprar casas, eles os usam para comprar dólares e fechar a transação.
“A Argentina, embora não seja um país legalmente bimonetário, é culturalmente bimonetário. Os argentinos fazem transações em pesos, mas estão pensando em dólar. O dólar é uma moeda de reserva, é uma moeda que serve para prevenir situações como a atual”, diz Rouvier.
Em sua oficina mecânica em Buenos Aires, Juan Carlos Lissa, de 64 anos, concorda.
“Este mês tivemos uma queda de clientela. Não é só no meu estabelecimento, outros colegas me dizem que com eles acontece a mesma coisa. É algo tipicamente argentino, quando o dólar começa a flutuar o argentino diminui os gastos”, diz Lissa.
“O dólar tem impacto na tranquilidade. Infelizmente, o argentino se baseia muito no dólar”, resume.
Por isso, não existe pior notícia que a desvalorização do peso, nem choque maior que um acordo com o FMI. “Sempre somos nós que pagamos a dívida”, afirma Lissa.
Mau humor – “A situação atual gera medo na população, incerteza e memória da crise de 2001. Isso provoca um mau humor social”, diz Rouvier.
No governo há consciência disso e também pressão tendo em vista as eleições presidenciais de 2019 em que Macri pode aspirar à reeleição.
“Não é verdade que a história sempre se repete”, afirmou o chefe de gabinete Marcos Peña, que garantiu que a assistência solicitada ao FMI é “uma tarefa preventiva para evitar que o impacto de uma crise forte chegue às famílias argentinas”.
Nicolás Dujovne, ministro da Economia, também tentou transmitir tranquilidade. “Estamos falando com um FMI muito diferente. O FMI aprendeu com as lições do passado, assim como todos nós fizemos”, disse pouco antes de viajar a Washington na terça-feira.
Mas isso não convence Chamatropulos. “Uma grande parte da equipe econômica tem suas poupanças no exterior, em contas no exterior”, diz ele.
“Infelizmente, isso também me leva a pensar na crise grega. Dizem que o FMI não é o mesmo de antes, mas o que aconteceu com a Grécia? Afogada nos últimos anos, juntamente com a troika?”, conclui.