Indo embora
Inferno da fronteira pode abrir as portas para o Paraíso
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emA última turma de catequese da Igreja São Tarcísio teve 470 crianças brasileiras, quase o dobro das 280 registradas no período anterior. A explosão é um dos sintomas do aumento da imigração de famílias que fogem da crise econômica no Brasil para tentar a sorte como imigrantes ilegais nos EUA. Muitas chegam em aeroportos com vistos de turista, mas um número crescente tenta a sorte na travessia da fronteira com o México, o que explica o fato de pelo menos 50 crianças e adolescentes brasileiros estarem entre os menores separados de seus pais pela política de “tolerância zero” do presidente Donald Trump.
A São Tarcísio fica em Framingham, que abriga uma das maiores comunidades de brasileiros nos EUA. Na mesma cidade, a escola primária Woodrow Wilson está com suas salas abarrotadas, em razão do aumento da chegada de brasileiros com filhos pequenos. De seus 509 alunos, 85% são brasileiros, disse o diretor John Haidemenos. “Nos últimos dois anos, aumentou muito o número de famílias brasileiras que matriculam filhos na escola. A cada semana, chegam de três a quatro novas famílias.”
Pároco da Igreja São Tarcísio, o padre Volmar Scaravelli disse que mudou o perfil do imigrante brasileiro que tenta uma nova vida nos EUA. “Com a crise no Brasil, passaram a chegar pessoas de classe média e classe média baixa, que têm formação superior e vêm com toda a família.”
Ao mesmo tempo, a chegada de Trump ao poder aumentou o temor dos imigrantes em situação irregular. Haidemenos afirmou que dois pais de alunos brasileiros da Woodrow Wilson foram deportados recentemente, o último deles em janeiro. “Hoje (quinta-feira, 21), uma menina brasileira de 7 anos estava chorando com medo de sua mãe ser deportada.”
A retórica e as políticas anti-imigrantes de Trump não impediram a chegada de mais brasileiros. Advogada, Maria trabalhava em um escritório de Curitiba especializado em Direito Bancário. Seu marido era funcionário dos Correios, onde tinha cargo de confiança comissionado. Segundo ela, desavenças políticas o levaram a perder adicionais salariais, o que reduziu a renda da família. “A gente nadava, nadava, nadava. Nós não nos afogávamos, mas não saíamos do lugar”, disse Maria (nome fictício, como todos os de sua família).
No dia 10 de maio de 2017, ela, o marido e a filha chegaram aos EUA com vistos de turista. “Nós não voltamos mais ao Brasil e, se tudo der certo, não voltaremos mais.” A filha de 8 anos, Ana, se adaptou em pouco tempo e já domina o inglês. O marido, João, pegou no batente na construção civil e agora trabalha na cozinha de um restaurante. Maria conseguiu emprego em um escritório de advocacia.
O medo da deportação a assombrou no começo. Mas logo ela aprendeu a não pensar no assunto. “Eu sinto como se fosse daqui. Ando tão naturalmente na rua que acho que ninguém vai me notar.” Sua mãe de 58 anos se juntou a ela em Massachusetts na quarta-feira, 20. Seu padrasto veio dois meses antes e trabalha no restaurante com João. “Se não tivéssemos saído do Brasil, já teríamos nos afogado.” Maria afirmou que vê com frequência a chegada de novos brasileiros, que vêm com visto de turista ou pela fronteira com o México. Como está em situação irregular, ela não poderia voltar ao Brasil mesmo que quisesse. Se sair dos EUA, não conseguirá voltar, a menos que se arrisque a entrar de maneira clandestina pela fronteira do sul do país.
Nos EUA há 29 anos, o advogado Danilo Brack disse nunca ter visto uma onda migratória de brasileiros como a dos últimos dois anos. Grande parte chega com a família e muitos arriscam a travessia da fronteira com o México com os filhos. “O perfil econômico é muito distinto do passado”, ressaltou Brack, dono de um escritório especializado em imigração em Lowell, Massachusetts. “As pessoas agora têm curso superior e algumas têm mestrado e até doutorado.”
Brack observou que também mudou o local de origem dos brasileiros. Há dez anos, a maioria vinha de Minas Gerais e Goiás. Agora, muitos vêm do Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia e Rondônia.
Os riscos que eles enfrentam também são altos. O advogado disse que as autoridades de imigração passaram a prender em vários lugares. Nos últimos anos do governo Barack Obama, a prioridade era dada a pessoas que tivessem antecedentes criminais. Com Trump, todos que estão em situação irregular passaram a estar sujeitos à detenção.
A prática dos agentes também mudou. O advogado Antonio Massa Vieira, especializado em imigração, disse que muitos imigrantes moradores de Massachusetts foram presos no Estado vizinho de New Hampshire quando a polícia fez uma batida na rodovia I-95 durante o feriado em memória dos veteranos de guerra, no fim de maio. Entre os detidos, estava um brasileiro que trabalhava na construção civil em Massachusetts e tinha ido fazer turismo em New Hampshire. “O número de pessoas presas aumentou muito. O governo também eliminou recursos administrativos que davam ao imigrante que tem uma vida produtiva aqui uma chance de adiar a deportação.”