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Ingrid Bergman, por ela mesma, sob a direção de Stig Bjorkan

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Luiz Carlos Merten e Ubiratan Brasil

Stig Bjorkman já havia feito documentários sobre Ingmar Bergman e Lars Von Trier. Em 2011, Isabella Rossellini presidia o júri de Berlim e ele estava na Berlinale participando de uma homenagem do festival a Bergman. Harriet Andersson, uma das atrizes preferidas do grande autor sueco, foi dar seu testemunho sobre o trabalho com ele. Bjorkman e Harriet saíram para comer e, então, chegou um emissário do festival dizendo que Isabella Rossellini estava vindo ao encontro de ambos, porque queria cumprimentar Harriet.

Sentaram-se todos na mesma mesa, beberam, comeram e, do nada, Isabella virou-se para Bjorkman e lançou a proposta – “Deveríamos fazer um filme sobre minha mãe, você não acha?” Foi assim, dessa maneira casual, que começou a nascer “Ingrid Bergman – On Her Own Words”. Ingrid Bergman por ela mesma. Em suas palavras. No Brasil, o filme que estreia nesta quinta-feira, 24, chama-se “Eu Sou Ingrid Bergman”.

Bjorkman encontrou-se com Isabella e seu irmão Robertino em Paris, depois com Pia Lindstrom e Ingrid Rossellini, a irmã gêmea de Isabella, nos EUA. Toda a família apoiou a ideia do filme e os filhos autorizaram o diretor a pesquisar os arquivos que ela deixou depositados na Wesleyan University, em Connecticut. Foi lá que Bjorkman descobriu os diários de Ingrid e os filmes domésticos que ela adorava fazer. O filme começou a tomar forma em sua cabeça. Teria de ser “Ingrid in her own words”, nas próprias palavras.

Tudo isso ele contou em Cannes, em maio, quando o festival homenageou Ingrid Bergman estampando sua foto no cartaz e, depois, projetando o documentário como homenagem ao centenário de nascimento da atriz. “Eu Sou Ingrid Bergman” ganhou até um prêmio de documentário. Bjorkman jura que a família não fez exigências nem interferiu em nada. Ele fez o filme como quis, do jeito que quis. Isabella e Robertino o viram pela primeira vez com o público, em Cannes. Pia e Ingrid Rossellini, informaram as agências internacionais de notícias, na première em Estocolmo. Em novembro, o filme estreou em Nova York e, há poucos dias, quase junto com o Brasil, em Los Angeles.

Grande estrela de Hollywood, grande atriz, Ingrid Bergman é uma figura icônica do cinema. Nasceu e morreu no mesmo dia, 29 de agosto, em 1915 e 1982. Seu rosto se tornou internacionalmente conhecido e admirado. “Você pode conferir seu trabalho vendo os filmes que estão todos, ou quase todos, no mercado de home entertainment. Mas o material que eu tinha era raro. Os filmes domésticos eram praticamente inéditos. E foi os que eu privilegiei”, explica Bjorkman.

O foco está na mulher, na mãe. Os quatro filhos contam como era sua relação com ela. Sob múltiplos aspectos, Ingrid atravessou os anos 1940 e 50 vivendo como um homem. Priorizava a carreira e, embora casada, tinha amantes – o fotógrafo Robert Capa, o diretor Victor Fleming – e isso antes de trocar o marido médico, o dr. Lindstrom, por Roberto Rossellini e uma carreira na Itália. Foi um escândalo para a puritana Hollywood da época, mas ela não recuou. Foi, notoriamente, uma mãe ausente, mas isso não marcou nem traumatizou os filhos. Todos falam dela com carinho e admiração. Se tiveram traumas, conseguiram superá-los e viver as próprias vidas.

Ela podia estar ausente na maior parte do tempo, mas quando estava com os filhos lhes dava atenção integral. Sem aprofundar muito, o filme a psicanalisa. Ingrid foi muito marcada pela morte prematura da mãe e, depois, do pai, a quem adorava. Ele foi o primeiro a fotografá-la, filmá-la. Isabella arrisca que o gosto da mãe pelos filmes domésticos talvez fosse uma forma de mantê-la conectada com o pai. Fala-se pouco dos grandes diretores com quem ela trabalhou – George Cukor, Alfred Hitchcock, Roberto Rossellini, Jean Renoir, Stanley Donen. Menos ainda do seu método de trabalho com eles. As referências são vagas. Hitchcock a magnificou, mas como? Mistério, exceto pelo que os filmes revelam.

De tudo o que descobriu sobre Ingrid Bergman, Stig Bjorkman chegou a uma (dupla) conclusão. Foi uma mulher de coragem e viveu à frente de seu tempo. E ela amava o cinema. Ao receber o terceiro Oscar – de coadjuvante, por “Assassinato no Expresso Oriente”, nos anos 1970, após os de melhor atriz por “À Meia-Luz” (George Cukor, 1944) e “Anastásia, a Princesa Esquecida” (Anatole Litvak, 1956) -, Ingrid surpreendeu meio mundo ao dizer que Valentina Cortese deveria ter sido a vencedora por seu papel em “A Noite Americana”, de François Truffaut. O retrato que Bjorkman propõe e apresenta pode não ser completo nem o mais acurado. Mas vale viajar nessas imagens e palavras. Os textos da própria Ingrid, recolhidos de cartas e dos diários, são lidos por Alicia Vikander. O efeito, com frequência, é mágico.

Pergunte a qualquer espectador e ele provavelmente citará, se for só um filme, o clássico romântico “Casablanca”, de Michael Curtiz, em que Ingrid forma dupla com Humphrey Bogart. Os cinéfilos citarão algum de seus filmes com Rossellini. Stig Bjorkman também tem seus preferidos – “Notorious/Interlúdio”, de Hitchcock, a trilogia “Stromboli”, “Europa 51” e “Viagem na Itália”, de Rossellini, e “Sonata de Outono”, de Bergman, em que tem a cena poderosa do piano, em que a mãe humilha a filha. Liv Ullman, que faz o papel, dá, talvez, o melhor testemunho sobre a atriz e sua habilidade técnica.

Histórias – Em 1981, Ingrid Bergman lançou sua autobiografia, escrita em conjunto com Alan Burgess – no Brasil, o livro saiu pela Francisco Alves. Em um tom confessional, mas sem ser personalista ao extremo, a atriz sueca conta todos os detalhes mais importantes de sua vida, desde o primeiro casamento, a estreia no cinema, o estouro como estrela e a surpresa ao largar tudo e se mudar para a Itália, com Roberto Rossellini.

Entre todas as histórias, as mais saborosas são justamente as que Ingrid confessa algumas trapalhadas. Como na entrega do Oscar de 1975, quando ela concorria como atriz coadjuvante pela participação em “Assassinato no Expresso Oriente”, de Sidney Lumet.

Ingrid tinha certeza que não seria a vencedora e, quando seu nome foi anunciado, ela não conseguia disfarçar a expressão de espanto. Já com a estatueta nas mãos (a terceira em sua carreira), ela desabafou dizendo que os membros da Academia fizeram a escolha errada, pois a verdadeira vencedora deveria ser Valentina Cortese, pela sua atuação em “A Noite Americana”.

No livro, Ingrid conta que só depois percebeu que foi descortês com as outras candidatas: Diane Ladd (por “Alice Não Mora Mais Aqui”), Talia Shire (“O Poderoso Chefão 2”) e Madeline Kahn (“Banzé no Oeste”).

Em outra passagem, Ingrid conta os bastidores da filmagem de “Sonata de Outono”, poderoso drama dirigido por Ingmar Bergman e coestrelado por Liv Ullmann. Segundo ela, foi somente depois de ver o documentário sobre as filmagens é que percebeu como se portara mal. “Eu reclamava de tudo, opinava sobre tudo. Não sei como não me expulsaram do set de filmagem”, disse.

estadao

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