Após 522 anos de idas, vindas, confusões, governos e desgovernos, chegamos a 2022, em pleno século 21, com um Brasil entregue a arruaceiros, baderneiros, milicianos rodoviários e ditos bolsonaristas insatisfeitos com o resultado democrático das urnas. Concluída a pior, mais violenta e mais rasteira eleição presidencial desde a redemocratização, em 1989, temos hoje um presidente reconhecidamente eleito, um presidente em exercício absolutamente abandonado e uma bando de malucos que, desde a posse de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, pensou, agiu e trabalhou exclusivamente pela instalação do caos no país. Mesmo estimulada por instâncias superiores e ignorada pelos diretores da forças de segurança, a estupidez tem limites. Mais uma vez, a insurreição golpista não prosperou.
Os ignorantes que insistem com a apologia do golpe – às vezes golpeando de forma clara – deveriam informar ao líder maior que o perdedor conquista a dignidade de um vencedor quando aceita a sua derrota. Mais do que isso, poderiam lembrá-lo que os vencedores fazem aquilo que os perdedores não querem fazer. O longo e vexaminoso silêncio do presidente Jair Bolsonaro mostra o quanto ele é mau perdedor. Considerando todo o seu mandato de péssimo administrador, não há nenhuma incoerência nesse novo gesto. Todos devem se lembrar que o próprio Bolsonaro disse um dia que só Deus o tiraria da cadeira de presidente. Deus e boa parte do eleitorado o tiraram.
Em resumo, deixar de parabenizar Luís Inácio faz parte do seu DNA. Levar quase 48 horas para se pronunciar publicamente a respeito do resultado eleitoral do adversário – ou inimigo – também é do perfil bolsonarista. O que causou espécie – e é de se lamentar – foi a exagerada demora de um gesto – por menor que fosse – na direção dos 58.206.354 eleitores que optaram por sua forma arcaica e improdutiva de governo. Foi um agradecimento protocolar a esse expressivo grupo, do qual fazem parte milhares de antipetistas. É um capital político que jamais poderia ser desprezado. No entanto, ao que parece, Bolsonaro está se lixando para seus seguidores nem tão ferrenhos como os defensores do quanto pior melhor e do banditismo.
Sem conotação pejorativa, há um amontoado de gado perdido nas rodovias. É um rebanho sem rumo. Enquanto isso, o rei do gado, o terrivelmente “imbrochável”, se escondia com medo de mostrar a cara de menino criado por vó. Ele e seus seguidores denominados raiz levaram tempo para perceber que não há hipótese de retrocesso da democracia. Quer queiram ou não, Lula foi eleito com 60.345.999 de votos e, portanto, merece respeito interno, do mesmo modo que é largamente respeitado externamente. Aos vencedores, o mandato; aos perdedores o reconhecimento da derrota. Simples assim. Se mantiver o capital de votos, Bolsonaro que espere 2026. Até lá, que se apegue a Deus para evitar o pior.
Nessa altura da vida, o presidente em exercício está jogando fora a oportunidade de atentar para um detalhe político inquestionável: é melhor a certeza de um talvez do que a incerteza de um jamais. Quanto aos chamados bolsonaristas de ocasião, é preciso entender que, para enxergar, o primeiro passo é abrir os olhos. Mantida a escuridão, a tendência desse grupelho é passar para o Brasil e para o mundo uma imagem de mediocridade absoluta. Serão inviabilizados como brasileiros de vanguarda, consequentemente assumindo a condição de representantes do atraso, da maldade e da mentira.
Partindo de todos os pressupostos citados nesta narrativa, a vitória de Lula da Silva significa a vitória do bem sobre o mal, hoje exatamente representado por aqueles que diziam querer combatê-lo. Deixamos de ser pária internacional. Por tudo isso, é natural que Jair Messias tenha prolongado o tumulto, se negando a aceitar a vitória da democracia. Futuro ex-presidente de uma nação que ele quase transformou em uma republiqueta de bananas, Bolsonaro levou quase 48 horas para um de seus últimos gestos políticos em 2022. Agora ele terá de ressurgir como a Fênix. Dizem os mais céticos que ainda resta o bolsonarismo. Mas o que é o bolsonarismo? Talvez uma seita que prega o ódio, a divisão e não se cansa de questionar o processo eleitoral. Foi o que disse Jair Bolsonaro em seu meteórico pronunciamento. Só esqueceu de dizer que é um péssimo perdedor.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978