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Ordem na casa

Interdição de Bolsonaro corre na boca dos militares

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Autor/Imagem:
José Seabra e Mathuzalém Júnior*

O novo cenário eleitoral já está desenhado, mas a pintura ainda não está concluída. O que se tem de concreto é que o quadro não tem mais fundo falso, tampouco um único artista. A sacudidela no balde de tintas deixou claro para os 152 milhões de eleitores que devemos desconfiar daqueles que afirmam ter o monopólio da verdade e mais ainda dos que se dizem dono do mundo. E de um Exército para chamar de seu. De repente, uma canetada mal dada ou um tiro para acertar no que não se vê muda tudo. O resumo da ópera é que a vida é uma peça de teatro ao vivo, cuja consequência é não permitir erros. Uma célebre frase de Charles Chaplin define bem os últimos dias da política nacional. “Cante, chore, dance, ria e viva intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”.

É o mesmo que dizer: na vida tudo passa, mas nem tudo a gente esquece. A linguagem quase metafórica tem a ver com a desnecessidade de clareza nas palavras, de modo a não ferir suscetibilidades à direita ou à esquerda, divisão que não consegue ser explicada sequer por quem a vive. Definir alinhamento político somente por meio do viés partidário é tão ilógico como patético. Ou como acredita muita gente de baixa batente É o mesmo que tentar explicar o que são coxinhas, pão com mortadela, bolsominions e afins. A verdade é que ninguém consegue. Nos dias de hoje, é difícil explicar um esquerdopata elogiado por parlamentares do DEM, apoiado por integrantes do PSDB e defendido por parcela expressiva do empresariado. Também gera dificuldades – e muitas – admitir um direitopata fechando acordos com o Centrão apenas para garantir a governabilidade, quando sente as rédeas escapar como água entre os dedos.

Tudo isso faz parte do Brasil desmemoriado de hoje, cuja população, independente de cor, raça, credo e classe social, defende ardentemente a polarização como solução a médio prazo para uma crise que se desenha longa, mas que há gente querendo colocar um ponto final antes de qualquer vírgula. Com clareza absoluta, o noticiário dos últimos dias mostrou um presidente acuado, sem rumo, com raríssimos apoios e – o que é pior – com sugestões de afastamento temporário, interdição e recomendação de tratamento psiquiátrico, conforme textos atribuídos a Miguel Reale Jr, ao subprocurador Lucas Rocha Furtado e ao psiquiatra forense Guido Palomba. O tabuleiro eleitoral pós-liberação de Luiz Inácio é embrionário. Não entendam como clichê ou acusação, mas temos de lembrar que, até 2022, a defesa do ex-presidente ainda dispõe de uma longa caminhada para garantir sua liberdade e seu direito de ser votado.

Avalia-se entre militares das mais diferentes patentes como improvável qualquer mudança na decisão do ministro Edson Fachin. Entretanto, as armadilhas e as minas continuam escondidas. O que está claro é que a divisão entre extremos não reflete as tradições eleitorais do povo brasileiro. Na prática, quando a disputa acirrada fica limitada a apenas duas vertentes, naturalmente são criadas várias direitas e esquerdas, segmentos filosoficamente centrados nos direitos individuais e no papel do governo. São contrários aos termos liberal e conservador, utilizados exclusivamente na definição das pautas apoiadas. A esquerda acredita que a sociedade fica melhor quando um governo tem um maior papel, garantindo direitos e promovendo igualdade entre todos. Por sua vez, as pessoas ditas de direita acreditam que a sociedade progride quando os direitos individuais e as liberdades civis têm prioridade. Mas isso é quase sempre uma falácia.

Nesse caso, o poder do governo é minimizado. Não foi o que vimos, muito menos o que vemos. Talvez no afã de acertar, Luiz Inácio e Jair Bolsonaro acabaram esquecendo que receberam votos de variados matizes. Comum ouvirmos que quem apanha jamais esquece. Por isso, até hoje os coxinhas lembram – e se arrependem – as razões que os levaram a votar em outro extremista. Muito mais fácil é analisar Bolsonaro, que, com lampejos ditatoriais, preferiu se enclausurar entre apoiadores radicais, desconexados com a realidade e sem qualquer compromisso com a Constituição. Deu no que deu e está dando no que se vê. Até a máscara facial tem nova recomendação de uso. Para o governo do capitão, tudo deve ser enfiado no QR Code dos outros. Inoperância e descaso à parte, a relação do governo federal com a pandemia remete à metáfora da família: os pais se trancam no quarto deixando a solução dos problemas caseiros para as crianças. Mas há adultos em casernas que sabem como colocar ordem na casa.

Esse longo preâmbulo, ajustado a partir de conversas fora das mesas de café de Brasília, ajudou a buscar palavras mais ponderadas para chegar a agosto de 2016, com a introdução de Michel Miguel Elias Temer Lulia ao poder. Golpe ou não, correto ou não, houve um impeachment e ele, como vice-presidente eleito, assumiu como 37º. presidente do Brasil. Questionável na forma, a ascensão de Temer acabou reduzindo a um traque a ameaça retumbante de crises política e econômica, com desemprego na casa dos 13,7%, ou seja, 14,2 milhões de brasileiros desempregados. Parece que voltamos àquele período. Por isso, nada de extraordinário se, nesses dias, semanas e meses de nuvens cada vez mais negras no céu do país, esquecêssemos temporariamente eventuais ranços e pedíssemos aos deuses para elevar o general Hamilton Mourão à condição de salvador da perdida e caótica Pátria Amada Brasil. Bolsonaro afirmou nesse fim de semana que só Deus o tira da Presidência. Apesar de alguns rompantes radicais, Mourão – quem sabe o deus Mourão – é inteligente e sabe que a solução para o Brasil é pavimentar o caminho da democracia.

Irremovível como vice, mas abandonado pelo presidente, Mourão recebeu os mesmos votos de Bolsonaro na eleição de 2018. Portanto, até o fim do mandato ele é inviolável, indemissível e imexível. Jair Messias foi informado e já demonstrou medo de perder a cadeira para seu colega de chapa. O receio presidencial foi escancarado após o vazamento de uma conversa reservada entre um assessor de Mourão e o chefe de gabinete de um deputado federal. Desde então, Deus e as torcidas do Flamengo e do Corinthians passaram a ter certeza da falta de imaginação do capitão para gerir o país. Além de atestar o fim da boa relação entre presidente e vice, boa parte da imprensa nacional vislumbrou um vice bem preparado para novas funções, percebeu o desconforto das Forças Armadas com os devaneios do capitão e confirmou que raros são os militares graduados que aceitam imaginar uma nova investida como a de 1964. Eles sabem que não podem perder a credibilidade com quatro anos de um mandato pífio, após mais de 55 anos para recuperá-la.

Como desconhecemos a amplitude dos próximos temporais, não temos ideia do que nos espera. E é melhor que seja assim. Mas, como seguro morreu de velho, temos de buscar a luz no fim do túnel a qualquer custo. Pior do que a pandemia, os riscos até 2022 são desconhecidos. E quem sabe essa luz não está mais próxima do que imaginamos? A nação, principalmente a rubro-negra, está atenta. Vacina, muitos sonhos e a possibilidade de mais um vice no poder, ocupando a cadeira mais alta, mas com a obrigação de acertar, é tudo que precisamos. Temos de novamente tentar passar o país a limpo. Para isso, nada melhor do que remexer alfarrábios e descobrir frases, pensamentos e citações antológicas. Uma delas pode ser lida no sentido filosófico popularesco: “Garrafão que levou querosene nunca perde o cheiro”. Nas palavras de Platão, “O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê…”.

*A publicação desse texto foi avaliada meticulosamente nas últimas 24 horas. Foi produzido a partir de conversas reservadas com militares graduados, que, em respeito à hierarquia, pediram apenas anonimato. Uma coisa, enfatizaram, não precisa ficar sob reserva: as Forças Armadas servem ao Estado brasileiro, e não a um governo passageiro; e que há dispositivos legais para passar tudo a limpo.

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