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Egrégoras

Invasão de deuses transforma pessoas em estátuas de sal

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Raimundo caminhava pela rua quando tudo aconteceu. De repente, materializaram-se diante dele figuras majestosas, bem mais altas, fortes e atraentes que o normal nas pessoas. Tinham rostos impressionantes, belos e terríveis, que provocavam sentimentos de medo e reverência.

“São deuses e deusas”, pensou Raimundo, que conhecia um pouco da mitologia de diversas culturas. Só que a parte de mito de suas leituras tornara-se perigosamente verdadeira.

Assustado, ele identificou figuras masculinas e femininas vestindo túnicas de estilo antigo. “Pelas roupas e pelo porte, devem ser divindades do Olimpo, da Grécia antiga”, concluiu. Viu outras deidades de cabelos ruivos, imaginou que poderiam ter vindo do panteão celta ou germânico. E havia muito mais.

Conhecedor do candomblé, identificou alguns orixás pelos objetos que empunhavam, como o machado de duas lâminas de Xangô, tão semelhante ao do nórdico Thor; mas havia uma profusão de deuses africanos desconhecidos para ele. E também entidades de traços asiáticos, e outras de muitos braços, vindas diretamente da Índia… E todas elas se aproximavam dos humanos e exigiam:

– Venerem-me… venerem-me!

Raimundo andou mais rápido, desviou de alguns deuses helênicos, de dois orixás, e viu, do outro lado da rua, seu amigo Otávio, professor na universidade em que cursava antropologia. Correu até ele.

– Professor, que diabo está acontecendo?

– Aparentemente algum desarranjo cósmico materializou divindades mitológicas. E acho que sei o que buscam: querem reforçar suas egrégoras.

– ???

– Egrégora é a força espiritual que surge da soma de energias coletivas de pensamentos e sentimentos – explicou Otávio. – Em uma época de pouca religiosidade como a nossa, eles devem esta famintos por fiéis e orações…

– Mas tem muita gente religiosa, professor!

– Sim, mas os devotos das crenças monoteístas veneram um só deus. E os outros? No plano espiritual, todas as deidades têm o mesmo peso, todos os gatos são pardos. Não que não haja alguns deuses mais terríveis que os outros…

Nesse momento, começou a deslizar em direção a eles um arbusto em chamas. O professor empalideceu.

– Vamos embora rápido, que esse é perigosíssimo. É o Yaweh do Antigo Testamento. É imaterial, então costuma aparecer como um arbusto em chamas que não se consome, designado na Bíblia como sarça ardente. Corra!

Era demasiado tarde. O arbusto em chamas pairou no ar diante dos dois e ordenou:

– Venerem-me!

Depois, mergulhou na mente de ambos, reconheceu um viés de ateísmo. Não gostou. Foi mais fundo, e identificou simpatias pelo politeísmo, com suas divindades capazes de paixões e atos vis ou altruístas, traços característicos de entidades criadas à imagem e semelhança dos humanos. Gostou menos ainda. Furioso (Yaweh se enfurecia fácil), recorreu a uma velha especialidade da casa e os transformou em estátuas de sal.

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