Dezenas de pessoas se reúnem todos os sábados no terceiro andar da mesquita do Pari, no centro da capital paulista, para uma aula de duas horas sobre o Alcorão. São comerciantes, médicos, artistas, estudantes, ricos e pobres, de 18 a mais de 60 anos de idade, que começam a se converter ao islamismo.
À esquerda dessa sala, revela o Estadão, ficam os homens, enquanto as mulheres sentam-se à direita, e todos escutam o que tem a dizer Rodrigo de Oliveira Rodrigues, um gaúcho de 39 anos. À frente da Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, instituição sunita, ele é o primeiro líder em São Paulo a fazer cerimônias em português.
“A maior parte das mulheres já está à procura de alguma religião quando chega ao Islã, mas os homens vêm mais por curiosidade, gostam e ficam”, diz Rodrigues sobre o perfil de muçulmanos brasileiros não árabes.
Filho de pais católicos, o xeque converteu-se por volta dos 14 anos em Porto Alegre. Depois de um curso na Arábia Saudita, ele se tornou referência religiosa no Sul e há menos de dois anos foi chamado para ser o primeiro sheik brasileiro em uma mesquita administrada por libaneses. Rodrigues diz que até dez pessoas por mês são convertidas no Pari.
Hoje são cada vez mais brasileiros não árabes no Islã. A religião está se estruturando nas periferias, crescendo nos centros e se misturando com outras culturas. Só na região metropolitana são 11,4 mil muçulmanos, segundo o Censo 2010 – o país tem 35 mil fiéis. São Bernardo do Campo e Guarulhos têm as maiores comunidades, mas Embu das Artes e Francisco Morato ganham destaque com a conversão crescente de não árabes.
“Eu queria entender o que se passava na cabeça dos muçulmanos, então fui procurar conhecê-los e tive um choque muito grande”, diz o estudante de ciências contábeis Antonio Pires, de 28 anos, de Itaquaquecetuba. Pires conta que esperava encontrar radicais quando começou a pesquisar sobre a religião, há três anos, movido inicialmente pela curiosidade por política do Oriente Médio. Encontrou uma religião com bases semelhantes às do cristianismo e do judaísmo.
“Eu passei a estudar o Alcorão, comecei a procurar na internet sites e vídeos, e eu não tinha conhecimento nenhum [sobre a religião] aqui no Brasil.” Em aproximadamente um ano, Pires estava convertido, havia recebido o nome árabe Ali e frequentava o curso de Rodrigues.
A trajetória do universitário é um exemplo típico da história mais contada em comunidades do centro e da periferia para explicar o crescimento do Islã entre brasileiros. Intrigados pelo estigma da religião associado ao terrorismo desde o ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, os curiosos encontram um universo diferente nas mesquitas.
Vários recém-chegados à religião enfrentam resistência em casa. “Eles [parentes] não entendiam e pensavam que fosse me tornar um extremista, porque a religião aqui não é difundida e as pessoas não têm acesso à informação”, conta Pires, de família de formação cristã e espírita. Não foi diferente com Daud Jihad Al Hassan, de 21 anos, que tem mãe evangélica e prefere não revelar seu nome brasileiro por já ter sido skinhead. “Minha mãe achou que iam me levar para Israel para ser homem-bomba”, conta.
Nascido em Poá, na zona leste de São Paulo, ele teve seu primeiro contato com a religião quando conheceu uma família de estrangeiros no prédio em que trabalhava como segurança. Os costumes da família e a forma como as mulheres se vestiam intrigavam Hassan, e ele foi até a mesquita de Mogi das Cruzes para tirar dúvidas sobre o papel de Jesus no islamismo, a função do véu na vestimenta das mulheres e o conceito de guerra santa.
“Também tirei dúvidas sobre as orações, porque já estava querendo me converter.” Hoje, ele vive com sua noiva, de Paraisópolis, que também abraçou o islamismo, em uma mussala – espaço para as cinco orações diárias – em Embu das Artes.
As novas conversões estão gradualmente mudando também o perfil das pessoas que frequentam as mesquitas mais tradicionais de São Paulo. O ex-rapper e ativista Honerê Al Amin, fundador do grupo de cultura hip-hop Posse Haussa, é atualmente uma das figuras mais conhecidas na mesquita de São Bernardo do Campo, historicamente frequentada por descendentes de sírios e libaneses. “Hoje eu encontro um grupo razoável de brasileiros frequentando as mesquitas, coisa que dez anos atrás você não imaginava que poderia acontecer.”