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Isolado e desgovernado, Brasil vira “covidário” mundial

Enquanto Jair Bolsonaro e os líderes governistas trabalham velozmente para melar ou protelar a CPI da Covid-19, criada oficialmente na tarde dessa segunda-feira (13) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aos olhos do mundo o Brasil de hoje não passa de um “covidário”, um país radioativo, empesteado e sem perspectivas de imunização. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, no mapa da Covid, registramos uma em cada quatro mortes no mundo. O último dardo na lona do circo político montado de um lado da Praça dos Três Poderes foi lançado pela França ao suspender, por tempo indeterminado, voos tendo como origem ou destino o ex-iluminado solo brasileiro. Definitivamente, estamos isolados, somos párias do planeta.

Vivemos um momento excepcional, mas o mandatário insiste em tratar a gravíssima pandemia como algo de somenos importância. Ele ainda não percebeu que o vírus será tema decisivo nas eleições de 2022. O descaso da população mais fanática pelo modo negacionista de ser e a absoluta falta de planejamento de nossa autoridade maior geraram essa tragédia humana sem fim. Por causa da falta de leitos e da ausência de medicamentos, os relatos diários de médicos e enfermeiros que atuam na linha de frente são de total impotência. Paralelamente, em vez de informar o país porque deixou de fazer o dever de casa quando teve oportunidade, o governo federal optou por reunir sua tropa de simpatizantes no Congresso para tentar impedir investigações que possam gerar conclusões comprometedoras sobre os quantitativos de infectados (13.599.994) e de mortes (358.425).

A bem da lisura do processo, não conseguiu. A CPI da Covid-19 vai prosseguir. A necessidade de informações corretas à população venceu o incontrolável medo do presidente com a comissão parlamentar. E qual será a razão de tal temor? Muitas. Além de brincar e, depois, politizar o vírus, a pior delas foi o descaso com que tratou a pandemia. Simples assim. Há um ano e dois meses, ele desdenha de quem tenta explicar a gravidade da doença, receita remédios sabidamente ineficazes, achincalha todos os recados da ciência e da OMS, duvida de medidas preventivas, entre elas o distanciamento social e o uso da máscara facial, e, o que é pior, reúne divulgadores do negacionismo para tornar públicas suas eloquentes e tendenciosas (in)decisões.

Infelizmente, ainda somos uma nação onde os substantivos cultura e educação não são sinônimos. Claramente há entre eles um delei denominado dedicação excessiva a alguém, o popular fanatismo, cuja obsessão tende a esquecer o bom senso e acaba liberando ignorâncias. Foi o que ocorreu no último fim de semana com um antipático editor da TV Câmara, cujo nome não merece ser citado. Por meio de uma mensagem no mínimo desrespeitosa, o amigo da onça culpou um colega de profissão e de emissora pela própria morte decorrente da Covid-19. O insensível jornalista quis saber se o falecido havia desprezado o tratamento indicado por Bolsonaro ou se tinha alguma doença grave pré-existente.

Segundo o aprendiz de feiticeiro, para quem o teste PCR é de comprovada inutilidade, “fora dessas duas opções, numa doença com 99,98% de taxa de sobrevivência, só morre da peste chinesa quem quer”. Pura estultice de quem, com muita sorte, passará dessa para melhor atolado em um amontoado de estrume. Talvez parta com o ventre cheio de lombrigas ou piolhos, criados e crescidos após ingestões diárias de ivermectina. Antiparasitário, esse medicamento não cura sequer insensatez. É contraindicado para aqueles que têm fígado ulcerado no lugar do coração, como parece ser o caso do bolsominion jornalista da Câmara que, apesar da idade, não aprendeu nada com a vida.

Com a pandemia fora de controle – agora faltam itens básicos, como oxigênio, kits para intubação e sedativos -, a autoridade que não está preocupada 24 horas em resolver o problema da Covid não sabe ou não quer governar. É a triste situação do Brasil, onde até os mais crentes já perderam o otimismo. Eu mesmo cheguei a embarcar nessa onda de esperança. Tinha certeza de que a inveja do papa argentino nos faria quase santos. Acho que nos enganamos redonda, quadrada, horizontal e verticalmente. Incerto, o cenário econômico transformará os problemas sociais em pandemônio. Nesses 12 ou 13 meses, provavelmente os bons melhoraram, mas temo que os ruins tenham ficado piores. Os pobres, coitados não têm mais o que empobrecer, embora tenham descoberto a solidariedade na mesma proporção que encaram a severidade da crise.

Quanto aos ricos e novos ricos, pouco a acrescentar. Os números e as notícias revelam que todos amealharam mais fortuna por conta da desgraça alheia. Muitos se locupletaram para ganhar algum com os equipamentos e hospitais de urgência, alguns tentaram se vacinar intramuros, outros viraram proprietários de mansões de R$ 6 milhões e poucos – quase nenhum – pensaram de fato no próximo. A ideia de pincelar religiosidade no texto não é uma tentativa doutrinadora. Serve apenas para explicar de modo filosófico que, como maioria, ainda estamos muito distantes da realidade que fantasiamos.

Confirmando a tese do escritor moçambicano Mia Couto (“A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riquezas, produz ricos”), o Brasil ganhou 20 novos bilionários no ano macabro da pandemia. Claro que ninguém está impedido de enriquecer. Entretanto, vale citar estudos do professor Willian Eid Junior, da Fundação Getúlio Vargas, dando conta de que, no período, o desemprego alcançou 13,9 milhões de brasileiros. Enquanto isso, o aumento na riqueza dos maiores bilionários do mundo chegou a US$ 5 trilhões. Ou seja, a riqueza aumentou para uns, mas a pobreza alcançou dezenas de milhões. Resta a esperança, que não é mais a última que morre. É a primeira que nasce quando tudo parece perdido e sem solução. A CPI da Covid e 2022 podem ser a luz que nos espera no fim desse tenebroso túnel.

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