O italiano Cesare Battisti está desembarcando em Roma nesta segunda, 14. Ele embarcou na Bolívia, onde foi preso no sábado, 12. Especulou-se que ele poderia voltar ao Brasil, de onde fugiu há um mês, para, só depois, seguir para a Itália.
Mas as autoridades italianas não gostaram muito da ideia. Descartaram essa parada no meio do caminho por diferentes motivos. Um deles, desconfiança da justiça brasileira. E se houvesse uma reviravolta no caso Battisti, a exemplo de um novo habeas corpus, como já ocorrido anteriormente?
Condenado várias vezes na Itália como assassino e terrorista, Cesare Battisti , fugiu para a França nos anos 80, onde se abrigou até 2002, quando imigrou no Brasil. Preso em 2007 no Rio de Janeiro, aguardou o desenrolar de sua situação jurídica aqui.
Com apoio de vários setores da esquerda brasileira, obteve do então ministro da Justiça Tarso Genro o estatuto de refugiado político em janeiro de 2009. No final do mesmo ano, o STF, com voto de desempate do seu então presidente Gilmar Mendes, cassava o estatuto de Battisti, e autorizava a extradição, mas deixando a decisão final ao Poder Executivo. Como último ato do seu governo, em 31 de dezembro de 2010, Lula negou a extradição.
Battisti ficou no Brasil. Mas ainda com situação jurídica precária. A cassação de seu asilo político o deixou em situação ilegal no País. Assim como acontece como todo estrangeiro no mesmo caso, a Justiça Federal, em Brasília, o condenou à deportação em fevereiro de 2015. A defesa entrou com recursos, culminando em outubro de 2017 com uma liminar do ministro do STF Luiz Fux, que suspendia a deportação ou extradição. Em 13 de dezembro passado, Fux revogou sua própria decisão, e, em consonância com o julgamento do STF, remeteu a decisão de extradição ao chefe do Executivo.
Não era mais Lula, era Michel Temer. Que assinou a autorização no dia seguinte. Cesare Battisti foi declarado foragido, procurado pela Interpol. Até ser encontrado na Bolívia.
A volta aos noticiários do italiano remete a um período de extrema agitação política da extrema esquerda na Europa. Extrema, violenta e assassina. As Brigadas Vermelhas na Itália e a Fração Exército Vermelho (RAF) na Alemanha são os mais famosos, e mais ensanguentados grupos revolucionários do continente nos anos 70 e 80. Se os grupos equivalentes na América Latina podiam invocar a luta contra as ditaduras, não era o caso na Itália e na Alemanha. Caindo por terra o argumento muitas vezes utilizado para justificar os assaltos a mão armada, atentados, sequestros e assassinatos de “combate pela democracia”.
Nessa época o recurso à violência nas manifestações de descontentamento com o regime ou o governo aparecia sempre como uma possibilidade, como uma arma. Quando ele é utilizado contra populações civis, como em atentado a bomba ou ataques a mão armada em público, é legítimo qualificá-lo de terrorismo.
Segundo o próprio Cesare Battisti confessou, foram inúmeras ações de terrorismo nos anos 70. Seus defensores no Brasil (e na França, onde há movimentos ativistas seguindo a mesma linha) questionam os processos realizados na Itália após sua fuga, onde lhe foram atribuídos por membros de sua organização quatro assassinatos.
Arguir sua mudança de vida desde aquela época, com carreira literária e até constituição de família no Brasil (a mãe de seu filho o descreveu na imprensa esses dias como um “pai exemplar”), e discutir as decisões da Justiça Italiana são as principais bandeiras de seus admiradores. No Brasil, claro. Na Itália, que viveu mais de 10 anos de terror e enterrou uma centena de vítimas desses grupos, reina o sentimento de justiça falha no caso Battisti. Vários líderes morreram em confronto com a polícia, os outros foram condenados e presos por anos. Ele, não.
Fazer uso de violência não saiu do “cardápio” dos movimentos extremistas. Dependendo de seus autores, eles são anticomunistas, antifascistas, racistas, justiceiros, xenófobos ou homofóbicos.
Em geral, eles seguem uma linha crescente. Começam com ataques a bens, pilhagem, saques, vandalismos. Atacam também as pessoas, xingando nas redes sociais, em lugares públicos. Depois tem as cuspidas, os empurrões, o envio de projéteis, as brigas de punho fechado, as facadas, os assassinatos. São reflexos de discriminação, de negação da palavra, até mesmo do direito de existência do outro.
Por mais extensas que sejam as justificativas, tais atos nunca podem ser aceitos num estado de direito. Muito menos numa democracia. O cúmulo do insulto à inteligência alheia é qualificar de “defesa da democracia” a violência feita a um adversário político.