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Desmandos na praia

Itapuama, ex-paraíso, vira um Inferno a céu aberto

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Acervo Pessoal

Na manhã e tarde abafadas da segunda, 16, em Itapuama, o som que outrora era o canto suave de um galo madrugador e das ondas quebrando na praia, foi substituído pelo ranger metálico de um trator-caçamba. A cena, típica de um Brasil que se orgulha de vestir o terno do progresso, é desenhada como um retrato de contradição: o paraíso tropical virou um canteiro de obras, com entulhos a céu aberto e reclamações ecoando em meio à poeira.

A praia, refúgio das almas que buscam paz e simplicidade, virou campo de batalhas invisíveis travadas no Inferno. Turistas e moradores, outrora em harmonia com o cenário de coqueiros e areia branca, começaram a disputar espaço com máquinas pesadas e montanhas de entulho. A calçada, que deveria ser uma passarela para contemplação, está entupida de sujeira, forçando os pedestres a se arriscarem entre carros e motos.

“Progresso”, bradam os idealistas. Mas que progresso é este que troca a vista para o horizonte pelo reflexo das vitrines? Os planos são ambiciosos. embora desencontrados. De um lado fala-se em erguer um templo evangélico; de outro, suítes residenciais e lojas comerciais que prometem transformar a área comparada a uma vila em um polo de modernidade. Mas, a que custo?

Dona Zefinha, que vende tapioca no canto da praça há mais de vinte anos, balança a cabeça em desalento:

— Isso é progresso? Deus me livre. Ao Diabo com essas coisas.

Os turistas, por sua vez, lamentam o impacto imediato. “Viemos buscar tranquilidade e encontramos o caos urbano”, resmungou um casal de São Paulo, desviando de um caminhão estacionado em plena faixa destinada a pedestres.

O certo é que Itapuama, a joia das praias pernambucanas, agora vive em desalinho. Não há o murmúrio das ondas para saudar, mas o ranger de máquinas. A paisagem, antes moldada pela natureza, ostenta montes de entulho e folhas mortas que dançam desordenadas.

No coração da confusão, um terreno baldio que agora exibe cicatrizes profundas. O trator, diligente em sua função, passou limpando o espaço e deixando sujeira para trás. O progresso – se assim pode ser chamada a destruição -, ao que parece, não se preocupa em varrer as sobras.

À beira do abismo entre o sagrado e o profano, alguém se atreve a perguntar ao tratorista sobre a sujeira. Ele, com a mesma frieza com que manejava a máquina, devolve a pergunta à burocracia: “Isso é com o Serviço de Limpeza Urbana, da prefeitura do Cabo.” E assim, empurra-se o problema para a trilha do esquecimento. O lixo fica, o turista desaparece e os nativos pensam em buscar outra praia para morar.

E Itapuama, que nunca pediu para ser cenário de progresso, assiste impassível seu destino ser moldado por trator e britadeira. A areia, que carregava pegadas leves de quem buscava harmonia, agora suporta marcas de pneus e esteiras de aço.

Resta saber se quando a poeira baixar, ainda haverá poesia no pôr do sol. Porque, no fundo, o progresso que desrespeita o passado e ignora o presente é difícil de aceitar.

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