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Já imaginou as vantagens se a Lei Rouanet batesse na porta de uma sala de aula?

Antonio Freitas
Ana Tereza Spinola

O ano é olímpico, mas a educação brasileira está longe de conquistar um lugar no pódio. Um levantamento realizado pelo movimento Todos pela Educação, com base no Censo Escolar de 2015, revelou que as escolas públicas de todo o país ainda têm muito a evoluir.

Os dados indicam que apenas 4,5% dessas escolas possuem todos os itens de infraestrutura previstos no Plano Nacional de Educação. O baixo percentual de oferta de itens básicos –como água, energia elétrica, rede de esgoto, além de espaços para práticas desportivas e para o acesso a bens culturais– é um ponto que causa muita preocupação.

Com um ensino de baixa qualidade e uma infraestrutura falha desde os primeiros anos de formação, a perspectiva de uma evolução intelectual e cultural dos alunos segue uma perigosa curva descendente. Nesse contexto, releva-se a urgência da implementação de projetos e de PPPs (Parcerias Público-Privadas) eficazes na área.

As iniciativas entre o poder público e os entes privados, nas suas mais diversas formas, podem e devem ser utilizadas aproveitando-se das experiências mundiais bem-sucedidas. Ou seja, pode-se suprir, por meio de outras fontes regulamentadas, tanto a escassez do dinheiro público que é aplicado na área educacional como as respectivas ineficiências da máquina pública.

Dentre as ações que ajudariam a educação brasileira a trilhar um novo caminho está o projeto de possibilitar que empresas privadas possam deduzir parte do imposto de renda para investir em escolas públicas. Nos moldes da Lei Rouanet, seria uma forma de captar e de direcionar recursos privados para políticas de ampliação de investimentos e também para melhorias na qualidade das escolas públicas do país. Todo o processo seria acompanhado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.

Sem desmerecer a causa, uma pergunta que merece reflexão é: por que, aqui no Brasil, a Lei Rouanet, que é voltada para a cultura, prevaleceu? A educação também é parte fundamental para a formação de um indivíduo –tanto no aspecto profissional como no pessoal–, além de ser um dos pilares que sustentam o desenvolvimento de um país.

Educação e cultura são complementares, devem andar juntas e merecem uma atenção igualitária dos governantes, dos líderes empresariais e da sociedade como um todo. As áreas de esporte, cultura e social já dispõem de uma legislação federal que fixa incentivos fiscais, mas o setor da educação ainda sofre com a falta de leis específicas.

Nos Estados Unidos, as empresas podem abater do imposto de renda para investir em universidades. No Brasil, entretanto, essa iniciativa ainda está começando a ganhar corpo no Senado. Já se encontra com o ministro Blairo Maggi e com os senadores José Medeiros (PSD-MT) e Wellington Fagundes (PR-MT) um anteprojeto de lei que propõe a criação de incentivos fiscais a pessoas físicas e jurídicas que façam doações à área da educação.

Apelidada de “Lei Rouanet do Ensino”, ela visa captar e direcionar recursos privados a políticas de ampliação dos investimentos e a melhorias nas redes de escolas públicas e privadas. Além de promover e estimular a construção e a ampliação de unidades escolares, a lei financiaria programas de atualização e aperfeiçoamento dos profissionais e propiciaria a concessão de bolsas de estudo, entre outros objetivos.

Uma segunda ação seria as empresas auxiliarem escolas e universidades públicas nos processos de gestão e na melhoria de sua infraestrutura e de seus ativos fixos, por exemplo, financiando a construção de salas de convivência, quadras esportivas, laboratórios, bibliotecas, itens de higiene, ou, até mesmo, complementando o salário de professores.

A empresa ofereceria uma colaboração sem nenhuma contrapartida, apenas por saber o valor dessas benfeitorias –desde as mais simples até as mais grandiosas– na melhora do nível de ensino e da educação como um todo. O retorno se dará de forma natural para essas companhias, visto que estarão inseridas em um mercado com melhor nível de alunos e de futuros profissionais mais competitivos e dinâmicos. Sem contar a diminuição da criminalidade, uma vez que a educação impacta diretamente na redução dos casos de violência.

Bons exemplos – Outra forma de parceria–já amplamente difundida em alguns países europeus e em Estados americanos– é o modelo “Charter School”. Mediante o pagamento do setor público, firma-se um contrato para que entidades privadas forneçam serviços educacionais. O projeto conta com metas e com avaliação de desempenho e, de um modo geral, pode-se notar melhoria na qualidade do ensino.

Atualmente, há mais de 6 mil escolas com esse perfil nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, o governo do Pará está construindo 50 escolas de ensino médio para testar o modelo. O projeto conta com o apoio do Instituto do Banco Mundial, que tem atuado no Brasil em projetos de PPPs.

É preciso buscar inspiração em todos os modelos bem-sucedidos dessas diversas práticas em outros países do mundo. Também nos Estados Unidos, as doações de empresas, milionários e ex-alunos são parte fundamental do orçamento das universidades e estão até mesmo na origem de muitas dessas instituições. Em 2011, o valor dos dez maiores fundos de universidades americanas, os “endowments”, ultrapassava US$ 140 bilhões, segundo dados do Instituto de Ciências da Educação dos EUA.

Mudança de paradigma – Tais recursos podem patrocinar projetos de pesquisa, construção de salas ou prédios e bolsas para alunos. As universidades americanas estão totalmente organizadas para receber esses recursos. Já aqui no Brasil, essa prática ainda esbarra: no receio de os recursos doados não serem bem utilizados; na burocracia; na falta de estrutura para as doações.

Além disso, a dificuldade das instituições de ensino em receber e usar dinheiro externo esbarra em posições ideológicas e na falta de tradição e de áreas dedicadas ao “fundraising” –um conjunto de estratégias e de procedimentos que levam as pessoas a doarem recursos financeiros.

Nas universidades americanas, longe de ser apenas uma ajuda, as doações de empresas, de ex-alunos e de fundações constituem uma parcela extremamente relevante da receita. Por aqui, infelizmente, o “fundraising” ainda é visto como uma espécie de esmola para resolver problemas pontuais de determinadas instituições e não como um instrumento de colaboração da sociedade em prol da educação do país. Todas essas ações ajudariam a suprir parte da lacuna deixada pelos poderes públicos.

No entanto, para isso, os brasileiros precisam se conscientizar do importante papel que desempenham nesse processo. Vale ressaltar que a Constituição menciona esse tema em seu art. 205: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Ou seja, para o país evoluir nesse sentido, antes de tudo, será preciso rever tal questão cultural. Os líderes empresariais e a sociedade brasileira, reconhecidamente, têm pouco compromisso com o futuro da nação. Há uma percepção de que isso é responsabilidade, unicamente, do Estado.

Enfim, para que a educação no Brasil seja realmente um direito assegurado e tenha qualidade competitiva, há a necessidade de uma completa mudança de paradigma. Não se pode mais utilizar e pensar somente em soluções estanques e imutáveis. Deve-se analisar as mais diversas formas para se viabilizar um sistema de ensino de qualidade e para disponibilizar à população essas parcerias e projetos tão valiosos.

É preciso urgentemente promover amplos debates sobre esses temas, inclusive, a respeito das adaptações na legislação. Esse é o início de um processo transformador para a educação do nosso país que tanto clama por um novo caminho.

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