Espécie de réptil terrestre, da ordem dos quelônios, provido de carapaça e nativo da América do Sul, o jabuti ou jabutim tem fama de curar problemas respiratórios, como asma e bronquite. Diz a lenda que deixar o animal debaixo da cama é bom porque ele “puxa” a doença para si. Nunca se comprovou cientificamente se o bicho tem realmente esse poder de cura. O que se sabe de concreto é que ele é ferozmente usado por políticos de conduta duvidosa. No jargão legislativo, jabuti é um “contrabando” que os parlamentares fazem ao inserir em uma proposta legislativa um tema sem relação om o tema inicialmente proposto. Em outras palavras, se refere a emendas que não têm ligação direta com o texto em discussão. A estratégia foi definida pelo sempre lembrado Ulysses Guimarães.
Quando “escondiam” um inofensivo bichinho desses em um projeto qualquer, o inesquecível deputado dizia que “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, foi mão da gente”. E, via de regra, é sempre a mão do homem (o parlamentar) que transforma o pobre do animal em sinônimo de vantagem pessoal ou de um grupo.
O “jabuti” incluído no pacote da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022 tem nome e sobrenome, mas ninguém assume sua paternidade. O autor é o deputado Juscelino Filho (DEM-MA). Todavia, não importa quem tenha posto o bicho lá. A verdade é que, com apoio maciço de partidos integrantes do Centrão e alguns da esquerda, os deputados aprovaram na semana passada, por votação simbólica, uma emenda aumentando de R$ 1,7 bilhão para R$ 5,7 bilhões o “Fundão Eleitoral”, dinheiro utilizado para campanhas de eleição e reeleição de deputados, senadores, governadores e presidente da República.
Diante de 540 mil mortos pela Covid, 15 milhões de desempregados e 19 milhões passando fome, aprovar tal proposta é brincar com o cidadão brasileiro, que, além de pagar R$ 100 por um botijão de gás e R$ 6,09 a cada litro de gasolina, vem sofrendo com a claudicante cura do vírus e com denúncias diárias de fraudes na compra de vacinas. Portanto, mais importante do que tentar buscar culpados, é tirar o penduricalho da LDO. Presidente da sessão do Congresso que determinou o extorsivo aumento do “Fundão”, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) culpa o presidente da República de “terceirizar” responsabilidades. Ao deixar o hospital nesse domingo (18), Jair Bolsonaro afirmou que Ramos “atropelou” a votação e, por isso, é quem deve ser cobrado “em primeiro lugar”.
Para quem não conhece a tramitação de projetos nas duas casas do Congresso, o modus operandis é simples. A prerrogativa de encaminhamento da LDO, incluindo a previsão do fundo eleitoral, é exclusiva do Executivo. Segundo Marcelo Ramos, quem articulou o valor foram os líderes do governo, que não protestaram imediatamente após a divulgação do resultado da votação. Ou seja, todos concordaram. Então, não cabe ao chefe da nação apenas sinalizar que pode vetar o aumento de R$ 4 bilhões destinados para financiamento de campanhas eleitorais. Doa a quem doer, é preciso vetar e rápido mais esse mastodonte contra o povo. Não importa que denominem o absurdo de “jabuti”, “casca de banana”, “jabuticaba” ou seja lá o que for. É necessário que ele seja visto como algo indecente, imoral, criminoso, desnecessário, equivocado e desrespeitoso.
Como não houve votação nominal, não há a “impressão digital” dos parlamentares, embora seja fácil chegar ao nome de cada um que votou a favor. Também não importa, na medida em que derrubá-lo só depende de um gesto, mais precisamente de uma canetada do presidente. Considerando as centenas de milhares de vidas que já perdemos e o tamanho do investimento que será necessário para recuperação da economia nacional, não vetar o “jabuti” será o mesmo que assumir de vez o fim de uma claudicante jornada política. A encruzilhada de Jair Bolsonaro é complicada: de um lado a necessidade de recuperar popularidade; de outro, evitar cair em desgraça com a turma do Centrão, ávido pelo dindim do “Fundão”. A quem agradar? Quem vai tirar “réptil da discórdia” da árvore? Aguardemos as próximas horas ou dias. Com a resposta o mito do Planalto.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978