Primeiro dia do ano da esperança, da paz, da alegria e da certeza de dias melhores. Estabelecida como a data de confraternização e da recuperação natural dos exageros etílicos, o 1º de janeiro não é para leituras, tampouco para tergiversações ou viagens pela psiquê alheia. Entretanto, a mudança de pensamento político, de conduta pessoal e, sobretudo, da certeza de propostas concretas e viáveis me dá o direito de, na forma de convite, fazer um desabafo particularíssimo: Jair Messias Bolsonaro, sozinho ou de braços dados com seu criador Donald Trump, fique onde está. Vossa mitológica figura jamais passará para a história e certamente não fará falta alguma para nenhum dos 214,3 milhões de brasileiros, incluindo os que sua excelência fujona abandonou na porta dos quartéis.
Órfãos do din din público, nem mesmo os pastores evangélicos perceberão sua ausência, principalmente quando os integrantes da seita criada por vós começarem a depositar o dízimo nas recheadas contas bancárias dos enviados de Deus para endividar os pobres. O momento também é para lembrar aos seguidores carentes de ídolos que, durante seu governo, os indicadores nacionais pioraram absurdamente. Além de marcas pra lá de negativas, setores fundamentais como saúde e educação experimentaram retrocessos de décadas. Ou seja, não há o que comemorar. Como somos insistentes e guerreiros, comemoramos hoje a vida e a nova ascensão de Luiz Inácio, o duende avermelhado de seus pesadelos mais primitivos.
Jair, já vai tarde. Se possível, aproveite a estada em solo norte-americano (tomara que seja longa) para tentar depurar a perversidade de sua alma. Não sei se a fuga é temporária ou definitiva. Seja qual for o tempo, saiba que sua proximidade com o lutador José Aldo e com a titica vencida do Trump não lhe tornarão inocente. Se for o caso, lei e Xandão o farão pagar por todas as mazelas sofridas pela população brasileira. Quase septuagenário, Jair Messias passou pela vida e, ao que parece, não aprendeu nada. De aprendiz de ditador, déspota fantasiado de Pierrô fujão encagaçado, usou a farda do Exército, a indumentária de parlamentar e a faixa de presidente da República como brinquedinhos que não lhe custaram nada, mas acabaram custando muito – algo exorbitante – para o povo e, principalmente, para os cofres públicos.
Brincou de filho, de marido, de pai, de deputado federal, de administrador, chefe de Estado e de depositário infiel da democracia, bem maior de qualquer coletividade. Todavia, o passatempo menos recreativo foi o de mito. Aí, o espetáculo circense que protagonizou virou zombaria. O que era entretenimento para meia dúzia de fanáticos travestidos de transformers gerou chateação, aborrecimento, tédio, ameaças e medo para uma expressiva parcela da população. Por conta da comprovada inexperiência como cidadão e como homem público, tudo que o empavonado tenente tocou virou pó. Na melhor das hipóteses, virou cacas das mais fedidas. Além de assumir um comando para o qual jamais se preparou, uma das piores foi negar a pandemia de Covid-19, suas consequências e a série de informações falsas a respeito da doença.
A decorrência é que, onde estiver, terá de responder a um inquérito sobre incitação ao crime. E são muitos os inquéritos. Só no Supremo Tribunal Federal são dois por mentiras contadas sem nenhum remorso ao longo do período em que borboleteou na Presidência. Para os bolsominions raiz, aqueles que não sabem de onde vieram e nem para onde irão, nada pior do que se associar ao Partido das Lágrimas, o PL, legenda mais voraz do Centrão de Valdemar Costa Neto (SP), do deputado Arthur Lira (PP-AL) e do senador Ciro Nogueira (PP-PI). Foi triste, mas o coro dos integrantes do grupo do din din acabou engolindo o pseudo recatamento do general Heleno, ex-crítico da turma da boquinha. Também engoliram o que sobrou da terrível honestidade do finado presidente.
O fato é que, desde a campanha, o suposto encantador de serpentes nem promessas soube fazer. Na verdade, fez inúmeras, mas as esqueceu ao longo do mandato. Foram várias as propostas não cumpridas. No entanto, nenhuma delas chamou atenção do povão ou dos bolsonaristas forjados na seita golpista: o único bem que Jair Messias deixou para o país. Pelo excesso de asneiras cometidas, bem que ele poderia ser confundido com um ilusionista de estações de metrô. Melhor não. Esqueçam isso, pois seria uma enorme injustiça com o pessoal que ganha o pão dessa forma. Talvez o ex-presidente seja mais um desses seres que se embaraçam em suas grotescas e descartáveis fantasias. De útil, somente a inutilidade de tudo que produziu. Errou do começo ao fim. Fugiu do país como menino mijado e sob o argumento de não passar a faixa presidencial para seu algoz eleitoral, aquele que lhe confiscou o estilingue, a língua, a baioneta e o fuzil. Sobrou um provável uniforme, cuja utilização é uma questão de tempo.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978