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Jaleco no lugar da farda tira a saúde do buraco?

De melancólica trajetória à frente do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello será substituído pelo cardiologista Marcelo Queiroga no combate à Covid-19. Seria uma excelente e esperada notícia não fosse a preocupação de todos com as indevidas e antipatriotas investidas de Sua Excelência no setor. Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o médico assume no pior momento da crise sanitária e sabe que terá apenas dois palitos para tentar conter o silencioso, letal e apolítico vírus. Pode alcançar algum êxito se deixar de cumprir as ordens maluquetes do presidente e tiver a autonomia que seus antecessores não tiveram. Se mantiver a tese do avestruz, certamente vai para o mesmo buraco onde estão Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Pazuello. Pior é o risco de borrar para sempre e com tintas vermelhas o festejado currículo.

Antes do jaleco de Marcelo Queiroga aceitar substituir a farda engomada do general, o presidente da República havia convidado a também cardiologista Ludhmila Hajjar para a função. Profissional competente e reconhecida mundialmente, ela chegou a visitar o Palácio da Alvorada, onde apresentou uma extensa e alentada “bula” para início do controle da Covid-19. Áudios comprometedores e posições divergentes aos paliativos governamentais contra a doença, entre elas a cloroquina, e favoráveis às medidas de isolamento social e ao uso da máscara facial desagradaram Jair Bolsonaro, o verdadeiro comandante da pasta. Por isso, antes mesmo de chegar ao Alvorada ela já era carta fora do baralho.

Quarto ocupante da principal cadeira do Ministério da Saúde em 26 meses de governo, Queiroga assume no auge da pandemia e já sob suspeitas de especialistas e da população carente de boas e definitivas notícias. Isso porque, ao confirmar seu nome, o presidente disse que o médico fará um bom trabalho, pois dará continuidade a tudo que Pazuello fez até hoje “no tocante das vacinas”. Qualquer leigo entenderá essa afirmação como piada fora de hora, considerando que o general deixou o cargo justamente porque, para a maioria dos brasileiros, inclusive governadores e políticos, não cumpriu suas tarefas conforme as exigências do momento. Por essa razão, soou como mais uma balela presidencial o discurso de demitir uma auxiliar que cumpria bem suas tarefas.

Avaliando informações cruzadas sobre quem entra, quem sai e quem quase entrou, fica claro que nenhum titular da Saúde conseguirá trabalhar com isenção, segurança e distante dos impérios do mal e do negacionismo. Infelizmente, as pessoas que querem o mal do Brasil estão no poder, no comando desse universo paralelo. Uma sociedade minimamente sã torcerá para que o novo ministro, apesar de sua intensa ligação com a família Bolsonaro, mantenha a sensatez contra a ignorância. Ele não pode esquecer que será sempre lembrado por suas antigas posições acadêmicas e ambulatoriais em defesa da agilidade para vacinação e contra o uso da cloroquina para controle da Covid-19.

A sociedade clama por soluções rápidas e torce para que Queiroga trabalhe na contramão do negacionismo. Para o povo, ele parece o último trunfo de Bolsonaro, o único combatente do front. Se não houver mudança no quadro, certamente chegará o dia D e a hora H. Ao contrário do antecessor imediato, pelo menos o novo ministro surge com ideias concretas e convergentes com os fatos. Por exemplo, entre suas propostas está a necessidade de “dar gás” ao programa de imunização do país para diminuir a pressão nos hospitais. Conforme o ministro, não é preciso inventar a roda. “Basta colocar em prática tudo que a ciência já mostrou que funciona”.

Oxalá ele também convença o presidente e os apoiadores do bolsonarismo acostumados com as tragédias e com os delírios da pandemia. Esses convivem bem com a violência generalizada, sobretudo porque, felizmente, ainda não viraram usuários do colapsado sistema de saúde. É o Brasil no limite de tudo. Ao sair às ruas sem máscaras, estimulando a aglomeração, Bolsonaro se colocou claramente a favor da epidemia. Também tem de ficar claro que medidas de restrição e eventuais lockdown não são os responsáveis diretos pelo fechamento do comércio ou pela consequente quebradeira no país. Não fossem essas iniciativas, hoje estaríamos lamentando muito mais do que 11.519.609 de infectados e 279.286 óbitos.

Se, além do vírus, há um culpado, é quem não cuidou dele como deveria. Os governantes são eleitos para dar exemplos. Quando isso não ocorre, surgem rótulos pouco simpáticos. Às vezes, muito antipáticos. Ministro, nem sempre a pressa é inimiga da Constituição. Já perdemos tempo demais. Portanto, se houver necessidade, atropele a Carta Magna e o presidente, ultrapasse os limites da normalidade, acuse os políticos de brincalhões e diga ao chefe que o senhor também é um maricas, quer ficar longe da gripezinha e não está preocupado com CPI. Faça o que for preciso, mas compre vacinas, evite o colapso anunciado e contenha a pandemia, como fizeram governos sérios. Mostre ao país e ao mundo que ainda temos no governo quem se preocupa com a vida.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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