Para o arquiteto Luciano Dalla Marta, o projeto de uma casa envolve fatores que vão muito além das questões práticas. “Existe um envolvimento emocional muito grande. Quando consigo traduzir toda essa expectativa para uma coisa concreta é a minha maior recompensa”, afirma ele, que certamente reúne boas razões para, após nove meses de obras, se sentir recompensado em concluir o projeto deste duplex de 130 m² – 40 deles, só de jardim –, concebido para um casal de moradores, em uma rua tranquila do bairro da Pompeia.
“Tive de sair da minha zona de conforto, trabalhar com cores fortes e elementos muito contrastantes, em um espaço limitado. Ainda assim, acredito que conseguimos criar algo singular. Com muita personalidade, mas ao mesmo tempo equilibrado”, considera Dalla Marta, que prefere se referir à autoria do projeto no plural. “Vejo presentes características do meu trabalho, sim. Mas também muita coisa deles, do universo particular dos dois, que é muito rico e multifacetado. E isso é muito bacana”.
Comum a arquiteto e clientes, o desejo de produzir um apartamento onde o casal pudesse usufruir da sensação de estar vivendo em uma casa parece ter sido plenamente satisfeito. Claro, admite o profissional, muito em função da implantação térrea do imóvel e de sua generosa área externa. Mas também de algumas intervenções substanciais. “Desde que tomei contato com a planta, já sabia que seriam necessárias algumas mudanças para atender às exigências dos proprietários. Comecei por setorizar as áreas de funcionamento: social e serviço no andar térreo, íntima, no superior”, diz.
O pé direito duplo, onde originalmente seria o living, foi eliminado por meio da construção de uma laje com estrutura metálica. O mesmo aconteceu com um pequeno terraço existente no pavimento superior que não tinha nenhuma função prática. “Dessa forma, consegui aumentar o banheiro, criar um closet e ainda ampliar a área do quarto propriamente dito”, explica o arquiteto que, após ter equacionado o andar superior, passou a concentrar todas as suas atenções na área verde do térreo.
“Sempre achei um privilégio ter um jardim em casa no meio de uma cidade como São Paulo, por isso gostaria muito que fosse usado diariamente pelos moradores”, conta ele, que para otimizar o espaço externo decidiu levar a mesa de jantar para lá. Porém, não sem antes dotar o jardim de um gazebo para deixá-lo ao abrigo das intempéries e garantir condições adequadas de ventilação e luz.
Como os moradores adoram passar horas na cozinha, ele resolveu ainda posicionar o ambiente de frente para a área. “A nova posição permitiu integração total entre dentro e fora. De fato, quando as portas que projetamos estão abertas, fica realmente difícil delimitar as áreas externa e interna. Quem está pilotando o fogão consegue participar de tudo o que acontece no jardim”, afirma Dalla Marta.
Para completar, uma nova lavanderia foi criada e a escada original do imóvel, de granito, foi substituída por outra mais leve, metálica e vazada. “Aproveitei o vão sob ela para posicionar a TV. Dessa forma, o rack com os equipamentos acabou se tornando uma extensão do móvel da cozinha”, conta o arquiteto. Além disso, ocupar essa área, que a princípio seria desperdiçada, liberou um espaço precioso para acomodar peças do vasto acervo de objetos, coleções e recordações de viagens dos donos da casa.
“Meus clientes têm um astral fantástico e muito bom humor. Sempre desejei que a decoração pudesse transmitir isso. Sabia que teria de lidar com elementos de alto impacto, como, por exemplo, um Playmobil gigante no meio da sala e decidi equilibrar a decoração com móveis vintage, em tons mais neutros, como o sofá Mole, de Sérgio Rodrigues, e a poltrona Martin Eisler”, afirma o arquiteto ao descrever as linhas gerais do projeto de interiores.
“Eu gosto muito do modernismo brasileiro, adoro as geometrias de Burle Marx, Athos Bulcão, Genaro de Carvalho, entre outros. Inspirado pelo trabalho destes personagens criei pontos focais onde a cor é o elemento fundamental”, explica ele, citando como exemplo o painel de ladrilhos coloridos que contrasta com o muro cinza do jardim. “Procurei também trazer para o projeto alguns elementos industriais para conferir uma certa informalidade à composição. Temos o paneleiro de ferro na cozinha, a estante de vergalhão que corre por toda a área social, a escada de chapa perfurada”, diz.
Por fim, Dalla Marta lamenta apenas ter tido de abrir mão de algumas peças do acervo. “Era fisicamente impossível manter todas. Tivemos que priorizar aquelas que tinham maior valor sentimental. Nada está lá por acaso. Meus clientes estavam o tempo todo opinando e participando das escolhas. Talvez por isso, o apartamento exale tanta autenticidade”, conclui.