Anjo ou demônio
Jefferson não dorme para lembrar Bolsonaro que está preso
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emMestrando e doutorando em governismo e viciado em poder, o ex-deputado federal Roberto Jefferson vive a pior fase de um ser humano: o abandono. Ex-todo poderoso do PTB e uma das vozes mais estrondosas do Centrão, ele hoje também é ex-amigo do ex-novo companheiro Jair Messias Bolsonaro, a quem chegou a jurar devoção e fidelidade canina e de quem jamais recebeu um aceno. Preso por atacar ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaçar o regime democrático, Jefferson bajulou o mito enquanto pode, pois pensava se cacifar politicamente. Sonhando com o retorno dourado à Câmara dos Deputados, colocou o partido à disposição da sucessão presidencial, mas começou a viver cenário de terra arrasada logo após o recolhimento, em agosto, ao Complexo Penitenciário de Bangu.
São quase quatro meses sem um elogio, um aceno, uma visitinha de médico. Nada. Não há hipótese de o sofredor não se sentir traído, imaginar aquele a quem ajudou como ingrato em último grau. Não seria a primeira vez. Outros ex-amigos do mito até hoje se arrependem da dedicação. Alguns morreram sem um agradecimento. Coisas de políticos do tipo cloridato de loperamida (princípio ativo do enterovioform), isto é, aqueles que acham que dor de barriga ocorre uma única vez. Sobre Roberto Jefferson, temos de admitir que, após meses sozinho no quarto escuro e acorrentado a um passado que não se apaga, pensar em ingratidão é pior do que uma masmorra erótica lotada de carrascos encapuzados e loucos para libidinagens fora do contexto.
Com sentidos variados, a palavra ingratidão pode ser definida como desagradecimento, patada ou pontapé. Em qualquer dos significados, o vocábulo também pode ser entendido como o preço do fracasso. E parece que os valores – financeiros, políticos e de poder – já começaram a ser postos à mesa. Em carta escrita esta semana e divulgada pelo jornal O Globo, justamente um dos principais algozes do presidente da República, Roberto Jefferson critica Jair Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o filho 01, pelo que classificou como “vício nas facilidades do dinheiro público”.
Disposto a chutar o balde de excrementos escondido nos porões do Palácio do Planalto, o ex-deputado disse com todas as letras que o chefe do Executivo cercou-se de “viciados em êxtase com dinheiro público”. Por razões óbvias, ele se exclui. Entretanto, do alto do vasto conhecimento dos bastidores nebulosos da política nacional, incluiu nomes por demais conhecidos da lambança parlamentar: o líder do Centrão e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), e o presidente do PL, ex-deputado Valdemar da Costa Neto. Recentemente, Valdemar convidou Bolsonaro e os filhos a se filiarem à sigla para as eleições de 2022. “Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio”, acrescentou o mordido Roberto Jefferson, que já havia tornado pública sua verve vingativa ao denunciar o mensalão, esquema de corrupção no governo Lula e do qual foi pivô.
Figura carimbada da política desde os anos Collor e com mil e uma facetas, Jefferson abandonou o ninho petista, assumiu a condição de baluarte e militante da extrema direita, transformando-se pateticamente em soldado bolsonarista e defensor de um golpe contra as instituições da República com discurso armamentista. Aliás, em determinado trecho da mensagem o ex-deputado confirma a proposta golpista do Dia da Independência, inclusive com pedidos de fechamento do STF e contra o Congresso. Lembro que o golpe foi negado de pés juntos pelo governo. Jefferson deixou claro que “7 de setembro é dia inacabado”. Segundo ele, Bolsonaro “fraquejou”, mesmo após “todo o povo sair às ruas”.
O que parece é que o ex-dono do PTB suou com muita rapidez a camisa com a esfinge do mito. Não é uma constatação, pois seu histórico de adesões a governos de correntes diversas impõe dúvidas sobre o verdadeiro objetivo da carta. Será um simples desabafo, o início de mais um rompimento, lembrar que está preso ou apenas um daqueles avisos de guerra? Acho que, ainda insone, nem ele mesmo sabe. Seja qual for a intenção, é de bom alvitre Bolsonaro colocar a farda e faixa presidencial de molho. Faz tempo deixou de ser investimento seguro qualquer sinalização de inimizade com o diabolicamente angelical Roberto Jefferson. Luiz Inácio, José Dirceu e Dilma Rousseff que o digam.