Escancarando aquele sorriso de aeromoça que Antônio Carlos Magalhães cravou em Fernando Henrique Cardoso, o prefeito do Recife, João Campos (PSB) aproveitou sua posse no segundo mandato à frente da capital pernambucana, no primeiro dia de 2025, para lançar sua candidatura ao governo do estado, daqui a dois anos, quando deverá enfrentar nas urnas a atual governadora Raquel Lyra (PSDB), mas que deve mudar de legenda, provavelmente para o PSD.
O sorriso de aeromoça passou a ser uma marca registrada do prefeito em sua tentativa de caminhar em direção ao Palácio do Campo das Princesas para contrastar com os antigos inquilinos da sede do governo de Pernambuco, geralmente carrancudos, como observou essa semana a jornalista e ex-deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB) em seu blog “Delas”. A exemplo do bisavô de João Campos, Miguel Arraes, os governadores de Pernambuco tinham sempre a cara amarrada, estilo que o atual prefeito do Recife pretende substituir por um sorriso – ainda que falso – mas que agrada os jovens, sobre os quais ele pretende fazer uma ponte para chegar ao eleitorado do interior, cuja vida pesada lhes dá menos motivos para sorrir.
Nessa corrida, João Campos tem a seu favor o eleitorado do Recife, cujo apoio lhe garante quase 80% dos votos da capital. O seu desafio será vencer Raquel Lyra no interior do estado – Zona da Mata, Agreste e Sertão – onde a governadora tem sólidas bases que a levaram ao segundo turno para vencer a eleição de 2022 com uma acachapante vitória sobre o PSB de Campos, que governava Pernambuco havia 16 anos, em ciclo iniciado por Eduardo Campos, pai do prefeito. Com todo esse tempo no governo, o PSB não conseguiu levar seu candidato Danilo Cabral nem ao segundo turno.
E é com a política de pai para filho, como no tempo das capitanias hereditárias, uma marca registrada do poder em Pernambuco (tanto o prefeito do Recife quanto a governadora são frutos dessa política de pai para filho), que Joao Campos pretende fazer água no barco que Raquel Lyra navega pelo interior, ainda que em rios com níveis de água cada vez mais baixos a ameaçar o abastecimento e a agropecuária sempre que chega o ensolarado verão.
Em seu secretariado, cujo arco de alianças políticas é capaz de fazer inveja ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai do PL ao PCdoB, João Campos cuidou de montar duas cabeças de ponte em territórios dominados por Raquel Lyra, e o fez no melhor estilo da política pernambucana. Da Zona da Mata, trouxe Túlio Arruda, filho do prefeito de Vitória de Santo Antão, Paulo Roberto Arruda, para a Secretaria de Cidadania e Cultura da Paz.
Seguindo o mesmo critério de hereditariedade, João Campos montou sua segunda cabeça de ponte em Garanhuns, uma das mais importantes cidades do Agreste da caruaruense Raquel Lyra. O prefeito nomeou para a Secretaria de Esportes o deputado estadual Eriberto Filho (PSB), abrindo sua vaga na Assembleia Legislativa para o suplente Cayo Albino, do mesmo partido e filho do prefeito de Garanhuns, Sinval Albino, também socialista.
Bem posicionada nas cercanias do Recife, em cuja região metropolitana elegeu o maior número de prefeitos no último pleito municipal, Raquel Lyra aponta suas baterias para a capital pernambucana buscando alianças â esquerda para minar o terreiro de João Campos. Já no ano passado ela trouxe para o seu governo o então vice-prefeito de Águas Belas, Maurício de Josué, do PT, para a presidência da empresa ProRural, cargo antes ocupado por um indicado do PL. Enquanto a governadora procura distância do partido de Bolsonaro, o prefeito faz o caminho inverso.
Essa aproximação do prefeito com os bolsonaristas tem gerado questionamentos dentro de setores da esquerda, especialmente no que diz respeito à manutenção da aliança histórica entre PSB e PT. O deputado estadual João Paulo (PT), ex-prefeito do Recife e uma das mais importante lideranças da esquerda em Pernambuco, em publicação em suas redes sociais classificou a atitude de João Campos como “estranha” e fez duras críticas ao possível alinhamento. “Recebi com estranheza as sinalizações do prefeito do Recife, João Campos, aos setores do PL bolsonarista. Em minha análise, apontar para um acordo com o partido que perseguiu o presidente Lula e ameaçou a democracia é uma falta de respeito a todo o campo da esquerda”, fuzilou.
João Paulo, que não morre de amores pela aliança do PT com o PSB no estado, a qual tem se revelado um desastre eleitoral para o Partido dos Trabalhadores, reforçou na mesma postagem a necessidade do seu partido adotar uma postura mais independente em Pernambuco. “Defendo que o PT adote uma postura independente e promova um debate interno para resgatar seu protagonismo e fortalecer a base do governo Lula em Pernambuco”, afirmou. Sobre a aliança com o PSB no estado, João Paulo disse que o PT tem pago um alto preço por atuar como um “partido auxiliar”. Segundo ele, a aliança recente entre as siglas na eleição do Recife é um exemplo disso.
Esse posicionamento do ex-prefeito ganha força â medida que o PT perde protagonismo até mesmo na própria Prefeitura do Recife, depois de ajudar a reeleger João Campos. Refratário a dar espaço ao PT, para quem o partido persegue a hegemonia, Campos reservou apenas duas secretarias para os petistas: Meio Ambiente, com Oscar Barreto, e Habitação, com Felipe Cury. O outro doce que o prefeito deu ao PT foi a convocação do vereador Marco Aurélio (PV) para a Secretaria de Direitos Humanos, abrindo vaga na Câmara Municipal para o suplente, o petista Osmar Ricardo, aliado do prefeito, ao contrário dos outros dois vereadores do PT, Liana Cirne e Kari Santos.
A nomeação de um petista para o seu governo seguida do afastamento do PL levou João Paulo a se aproximar de Raquel Lyra, passando a defender a participação do PT na base de apoio ao governo do estado. Ele já tem conseguido, na Assembleia Legislativa, os votos dos petistas aos projetos do Executivo estadual. Além disso, o deputado destaca a parceria de Raquel Lyra com o governo federal e o seu entusiasmado reconhecimento público da ajuda que o presidente Lula dá ao seu governo para a realização de importantes obras em Pernambuco, o que não acontece com João Campos nas parcerias da prefeitura com o governo federal.
João Paulo entende que essa aproximação de Raquel Lyra com o presidente poderá render um maior entrosamento do PT com a governadora, o que poderá culminar com uma natural participação de petistas críticos à administração municipal até mesmo no primeiro escalão do governo estadual. Raquel Lyra trabalha para isso, vislumbrando apoio do presidente regional do PT, senador Humberto Costa, cujo grupo ficou alijado da administração de João Campos. Dessa forma, a governadora teria sua bala de prata para 2026, apoiando a reeleição de Costa e tendo por vice o deputado João Paulo.