José Escarlate
Competência e muito trabalho, tudo isso aliado a uma humildade sem par e muita criatividade. Assim era o arquiteto João Filgueiras Lima, o “Lelé”, jovem recém-formado, que conheci, nos primórdios da cidade.
Era desenhista do IAPB e, naquele ano, estava se formando arquiteto. Convidado para vir para Brasília, colocou na sua mala surrada a bagagem que tinha e seu acordeon. Seria para espantar as noites frias e incertas de uma terra que, segundo diziam, era de ninguém.
Conversávamos muito no acampamento. Afinal, éramos quase da mesma idade. Ele, exatamente um ano mais velho do que eu. E foi ali que vi quanto tempo havia perdido na busca de um caminho a seguir.
Aquele novo amigo já havia encontrado o seu, enfiando-se nos buracos da obra para pesquisar o tipo de solo encontrado pelos bate-estacas, para preparação e fixação das sapatas.
A maior parte dos projetos criados por Lelé está localizada em Brasília e no Nordeste, já que partiu de sua mente criativa o conjunto de projetos que criou e executou para a Rede Sarah de Hospitais em diversos estados.
Nascido a 10 de janeiro de 1932, formado em arquitetura na Universidade do Brasil, no Rio, em 1955, “Lelé” sofreu forte influência de Oscar Niemeyer e Nauro Esteves, sendo indicado para trabalhar com meu padrasto, o engenheiro Rubens Soares de Souza na construção das Super Quadras Sul 108 e 308, do IAPB. Prontas, o arquiteto João Filgueiras colaborou em outros projetos de Niemeyer, quando sentiu a necessidade de racionalização do uso do concreto armado na construção.
Para conhecer uma tecnologia mais avançada, investiu numa viagem aos países do Leste Europeu onde conheceu técnicas de construções pré-fabricadas que eram aplicadas em diversos países da região, inclusive na então União Soviética. Entusiasmado, retornou e aplicou os processos de pré-fabricação de elementos construtivos, inéditos aqui.
Despertou a atenção do médico Campos da Paz, que o atraiu para a Rede Sarah de Hospitais. Assinou o projeto de construção do Hospital Sarah Kubitschek, no centro de Brasília, com moderna técnica de luminosidade e circulação de ar controlada, reduzindo a utilização de energia elétrica. Desenvolveu projetos de mobiliário hospitalar, com destaque para a cama-maca móvel, ajudando pacientes com dificuldades de locomoção.
Pioneiro de Brasília, Lelé formou uma legião de amigos, entre eles o artista plástico Athos Bulcão, com quem fez uma parceria de criatividade, valorizando os projetos de ambos. Além dos hospitais da Rede Sarah, assinou projetos em oito estados. Ele foi o talento que nasceu praticamente com Brasília, contribuindo para que a capital brasileira se tornasse cidade-símbolo e Patrimônio Cultural da Humanidade. Faleceu em Salvador em 21 de maio de 2014, aos 82 anos de idade, sendo sepultado em Brasília.
