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O destino de Perfídia

Joaquim cai como um pão mofo e a viúva enriquece

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Matéria Incógnita

Perfídia ganhou esse nome pela sonoridade que tanto agradou sua mãe, fã de Altemar Dutra. Cresceu sem entender as risadinhas de alguns quando descobriam como a garota se chamava. A mãe, por sua vez, nunca se deu conta de que havia traçado o destino da filha assim que a registrou no cartório.

A menina cresceu mais formosa do que a maioria naquela quadra. Tão bela se tornou, que logo atraiu os olhares mais sortidos. Obviamente que os olhos que a fitavam não eram apenas os de desejos, mas também os de inveja. Alguns até ambíguos, onde esses sentimentos se misturavam.

A jovem, bem cedo, causou discórdias inconciliáveis. Tanto é que até o padre da paróquia foi chamado para resolver tais pendengas, já que os pastores não se entendiam, pois todos pareciam desejar aquele pitéu para si. Diante de tamanha hipocrisia, juntou-se uma pequena quantia, que foi entregue à mãe de Perfídia, com a condição de irem embora para outra cidade.

Sem maiores perspectivas, as duas compraram passagens pro próximo ônibus e, antes que a primavera terminasse, rumaram para a capital. Mal chegaram, a velha morreu de disenteria, coisa comum naqueles tempos. Sozinha, Perfídia, apesar da tristeza de ter que enterrar sua própria mãe, se sentiu livre pela primeira vez na vida.

A mulher usou preto por alguns dias, mas logo percebeu que havia nascido para as cores vivas. E foi assim que resolveu procurar pelo primeiro emprego, já que o dinheiro andava ainda mais curto do que a sua saia. E lá foi a moça de pernas torneadas em direção à padaria da esquina, onde não havia cartaz de procura-se funcionário. E daí? Isso não foi empecilho para Perfídia.

O velho Joaquim, que nem era tão velho assim, foi chamado pela balconista, a Doroteia. Uma mulher estava à procura de emprego. Joaquim resmungou algum palavrão e se levantou enfurecido, certo de que aquele dia havia começado pelo avesso. No entanto, assim que bateu os olhos naquela formosura, mudou de ideia e a contratou antes que ela fosse embora.

Viúvo há poucos meses, o dono da padaria se viu apaixonado por Perfídia. Então, assim que as coisas se ajeitaram, ele tomou coragem de propor casamento para a jovem mulher, que mal entrara na casa dos 20. Ela, que estava passando pano sobre o balcão, gostou da proposta e, já no mês seguinte, com toda papelada em mãos, o casório foi realizado.

Perfídia gostou de acrescentar o sobrenome do marido ao seu, já que ela carregava, desde sempre, apenas o da sua falecida mãe. Perfídia da Silva Almeida. Soava respeitoso. A mulher gostou tanto, que fez questão de emoldurar a certidão de casamento e pendurá-la na ampla sala do apartamento, que ficava justamente em cima da padaria.

Agora ela era a patroa e, por isso, não precisava mais se preocupar com a faxina do comércio. Gastava seu tempo entre o salão e algumas compras. Joaquim, mesmo sendo mão de vaca, não se atrevia a contrariar a esposa, pois era muito bem recompensado durante as noites de alcova. O ciúme, todavia, estava sempre presente, pois todos os fregueses da padaria corriam os olhos pelo corpo de Perfídia. Tanto é que ele insistia para que ela não ficasse muito tempo por ali.

Obediente como uma boa esposa que era, Perfídia mal pisava no comércio do esposo. Gastava seu tempo lendo as revistas de fofocas ou, então, batendo perna pela quadra. Pra quê? Acabou se encantando por Augusto, um belo gajo recém-casado. Apesar dos compromissos firmados, os dois se entregaram às tardes num quarto de motel do Núcleo Bandeirante. Afinal, era necessário manter a seriedade.

Não se sabe se a esposa de Augusto descobriu o entrevero, já que era moça de família e, portanto, sabia que homens dignos também precisavam se divertir. Quanto ao Joaquim, parece que ele andava preocupado com os sumiços da mulher. Tanto é que pensou em dizer para ela passar mais tempo na padaria, mas logo se lembrou dos fregueses atrevidos.

Para encurtar a história, eis que era uma quarta-feira, por volta das 14 h, quando Joaquim tombou direto no chão da padaria. Clientes e funcionários tentaram acudi-lo, mas já era tarde. O coração do velho havia parado antes mesmo do rosto se esborrachar na cerâmica fria e gasta. Enquanto isso, lá do outro lado da cidade, a agora viúva se divertia com o amado entre os felpudos lençóis da traição. Perfídia!

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