Lula vive o enredo do romance “Interregno – O feitiço de Tobago”(Editora Chiado Books), do escritor, jornalista e, atualmente presidente da Empresa Brasileira de Comunicação(EBC), Hélio Doyle. Serve como fonte de inspiração depois que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira(PP), disse nessa semana, que o titular do Planalto não tem base no Congresso para tocar seu programa de governo.
Num beco sem saída, precisa de um tempo, de uma trégua, de um interregno. Não consegue obter votos suficientes para aprovar providências legislativas que requerem quórum mínimo, muito menos quórum qualificado. Lula está, simbolicamente, como o personagem bíblico Daniel, na cova dos leões.
Sua política econômica está amarrada à regra monetária do Banco Central, conduzida pelos credores, subordinada à meta muito baixa de inflação, que exige taxa de juro elevada para manter relação dívida pública/PIB que não deixa o país crescer sustentavelmente.
Lula está na arapuca da bancocracia, que leva o país, irremediavelmente, à recessão, boicotado pelo chefe do BC Independente, Campos Neto, que fixou juro básico na casa dos 13,75%, o mais alto do mundo. Os empresários não investem nem os consumidores conseguem liquidar suas dívidas.
Sem expectativas de crescimento econômico sustentável, o presidente não dispõe de folga para gastar em projetos que geram empregos, como os do setor imobiliário, do Minha Casa Minha Vida.
Sufocado e estressado, o presidente aprovou salário mínimo insignificante que manterá situação do assalariado em regime de subconsumismo, cujas consequências aprofundam a desigualdade social.
Pressionado pelo BC Independente, anuncia que retomará obras do PAC – Planto de Ação para o Crescimento – mas, como perguntaria o sambista Noel Rosa, “Com que roupa?”
São cerca de 14 mil obras paralisadas, que requer injeção imediata de dinheiro público na circulação capitalista brasileira para puxar demanda efetiva.
A infraestrutura nacional está carente de recursos para ser dinamizada e, consequentemente, gerar empregos, renda, consumo, arrecadação, investimentos. Ou seja, colapsou o silogismo capitalista.
Também enfrenta sinal amarelo, podendo ir para o vermelho, o consumidor, especialmente, de combustíveis, mantida a política de preços da Petrobrás, a PPI (Preço de Paridade de Importação), formada no exterior, pela cotação do dólar.
Porta-voz dos grupos internacionais que comandam a maior empresa brasileira, o presidente Jean Paul Prates não pretende conviver com a inimiga, a PPI, que dolariza economia nacional, elevando inflação e deterioração geral nos termos de troca, visto que o governo exporta óleo bruto em real, sem cobrar imposto(para cobrar, dependerá do Congresso), e paga importado em dólar.
São duramente afetados consumo e produção, contra os quais o BCI, porta-voz do mercado financeiro, só oferece um remédio: subir taxa de juro em nome de combate à inflação segundo diagnóstico falso de que decorre do excesso de demanda, no ambiente de salários miseráveis.
Todas as providências dependem de aprovação no Congresso, onde o PT e aliados não dispõem de maioria para vencer os obstáculos.
Até para mudar o Conselho de Política Monetária, onde Lula estaria cogitando indicar dois nomes de sua confiança, para fugir das garras do BC Independente, vai precisar de apoio no Senado.
O alerta ameaçador do deputado Arthur Lira, portanto, não poderia ser mais claro: o governo está sem capacidade de sustentar a governabilidade por falta de base no Congresso. A República está, com o Executivo fragilizado, de pés e mãos amarrados.
Não seria a hora de Lula conversar, republicanamente, com o Congresso, seus líderes, Pacheco-Lira, adversários na atual correlação de forças, e buscar uma acomodação, uma trégua, na linguagem conhecida da democracia parlamentar, se não tem força para seguir adiante sem o apoio da maioria liberal conservadora que dá as cartas da governabilidade? Não ganharia fôlego para continuar uma corrida na qual já se mostra de língua de fora?
Faz-se ou não necessário um interregno suficiente para construir relações factíveis, que a democracia burguesa, em seu cinismo congênito, denomina de pragmatismo?
O momento reclama ou não a busca de pontos de aproximação e convergência pelo preço que, historicamente, a burguesia parlamentar cobra, mediante divisão de poder, dentro de limites fronteiriços entre a razão e a irrazoabilidade? Ou a saída seria esticar a corda?
Seria ou não um interregno, uma trégua, capaz de permitir o governo e seu partido – que já não é de massas, como antigamente – construírem comitês de resistência democrática pelo país afora, saindo do oportunismo que as situações inusitadas produzem?
O jurista socialista Allison Mascaro prega a estratégia de resistência mediante mobilização intermitente que tira o maior partido brasileiro do comodismo a que chegou, mas que se revela inoperante, construindo, politicamente, desutilidades.
Como diria Machado de Assis, no seu tempo de repórter político, no Senado monárquico, a confusão é geral. A direita liberal conservadora se mostra descrente com a direita fascista bolsonarista porque ela, ainda, mais depois do roubo das joias, no oriente árabe dos sheiks, não tem chances de disputar, competitivamente, as eleições.
Cadê o líder de que a direita fascista requer para negociar essa trégua ou não, a fim de se fortalecer, para as urnas? Por sua vez, Lula não abriria, claro, mão dos pressupostos de fazer sua política social básica, sem a qual não seria útil nem à esquerda, nem ao centro nem à direita conservadora, que se desgarra do bolsonarismo por necessidade vital, de sobrevivência política.
O “Interregno” de Hélio Doyle se constrói no cansaço de uma relação em que os dois amantes se desgastam e perdem, na bela ilha de Tobago, no Caribe, a capacidade de se envolverem, exceto se derem um tempo nas relações extenuantes. Buscam, desesperadamente, uma oportunidade para, se possível, fortalecê-las em clima de entendimento e renúncia relativas. Caso contrário, a vaca vai para o brejo.
Os amantes no Congresso brasileiro estão estressados e o barco está sendo incapaz de suportar as ondas das discórdias devido as partes insistirem em ganhar tudo e não perder nada. Impossível.