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Jovens designers resgatam cerâmicas ancestrais

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Autor/Imagem:
Carolina Paiva, Edição

Decoração é como na vida e na arte, onde muito se cria, mas também muito se copia. Que o diga a designer Ana Neute, que transformou em realidade o desejo de trazer para a atualidade a taipa de pilão, uma técnica milenar utilizada na arquitetura para a escala do mobiliário. Já para seu colega Murilo Weitz, o contato com a cerâmica vem da infância – das aulas de educação artística, quando ele manipulava a argila. Finalmente, para o goiano Marcus Camargo, o material sempre esteve ao alcance dos olhos (e das mãos). Bastava apenas observar com mais atenção a paisagem ao seu redor.

Embora não exista nada propriamente novo em relação ao material e suas técnicas – afinal, são 20 mil anos de história –, a cerâmica tem demonstrado ser, ao longo dos séculos, uma das matérias-primas mais inspiradoras e de maior capacidade de reinvenção de que se tem notícia. Ligada diretamente à cultura dos mais diversos grupos humanos, suas declinações em termos de formas, funções e texturas não encontram precedentes em praticamente nenhum outro material.

Das tigelas pré-históricas às ânforas gregas, da porcelana asiática à francesa, a cerâmica contribuiu decisivamente para enriquecer a história da arte ao redor do globo e, ainda hoje, continua a render bons frutos. Sobretudo por meio de trabalhos executados por artistas e artesãos, em geral, em pequenas séries, na intimidade das suas oficinas e ateliês, onde o objeto cerâmico continua sendo valorizado pela sua singularidade e, não raro, imperfeições.

No mundo do design, porém, o interesse pela produção de móveis e utilitários com base na matéria-prima é de tiragem bem mais recente, embora atravesse um momento de franca expansão. Especialmente entre os mais jovens, impulsionado pela cultura do Do It Yourself (Faça Você Mesmo) e pelo advento das redes sociais, que difundem permanentemente novos profissionais e técnicas.

“A cena do barro é muito importante para a cultura da minha cidade natal, Cidade de Goiás, em Goiás. Tanto na fabricação de utensílios nas olarias quanto no artesanato dos mestres locais. Desde criança, tive contato com esse universo, mas só há alguns anos me reconectei com ele. Trabalhar com cerâmica é sempre um desafio, por ser uma matéria viva. Existe uma real troca afetiva e sempre muito respeito em todo o processo”, conta o designer Marcus Camargo (@camargomarcus).

Formado em Desenho Industrial pela Universidade Federal de Goiás, Camargo lançou sua primeira coleção de cerâmicas em 2019, em parceria com os artesãos locais. Batizada de Pertencimento, a série, composta por vasos, abajures e espelhos, buscava um diálogo possível entre a cultura local e o design contemporâneo. “Meus desenhos sempre foram muito orgânicos e o barro permite que eu possa dar vazão a essa linguagem”, explica ele.

Rio Vermelho é o nome do rio que corta a cidade de origem do designer. E também de sua mais recente coleção de abajures, para a Itens Collections. “Trata-se, na verdade, de um trabalho feito a muitas mãos. Tem o meu desenho, a modelagem manual de mestre Castrinho, que modelou cada peça e realizou a queima. As argolas e hastes executadas à mão pelo saudoso artesão Carlos Bello, vítima da covid. Além da direção artística de Mariana Amaral”, lembra Camargo.

O aspecto sensorial relacionado ao trabalho com a argila sempre atraiu a atenção do designer Murilo Weitz (@muriloweitz). Além da maleabilidade, outra característica que sempre esteve no seu radar. “É um material muito dinâmico. Pode adquirir qualquer formato com facilidade e isso me encanta”, conta ele que, após ter se iniciado nas técnicas de modelagem, hoje pode passar horas dando forma às suas criações. “Sem contar que chega a ser até terapêutico”, diz.

“Comecei fazendo aulas em 2017. Já criei alguns objetos experimentais, recipientes e pratos, mas, com a coleção Componente – de vasos, mesas de centro e bancos –, procurei dar um passo além. Queria dar alguma finalidade a peças de cerâmicas rachadas, eliminadas logo após o processo da queima”, afirma ele. Como normalmente os produtos que quebram são descartados, Murilo tritura o material, adiciona água e cimento e depois modela novos objetos a partir da mistura.

“O projeto surgiu do meu desejo de criar um material reciclado e a prática de um artesão que produzia vasos em Leme, minha terra natal, no interior de São Paulo. A junção dos nossos dois saberes foi essencial para resolvermos questões-chave, tais como a cor final do material e, por fim, sua própria resistência. Uma vez que um banco, ao contrário de um vaso, tem de resistir ao peso de uma pessoa”, resume o designer.

Ao contrário de Camargo e Weitz, a aproximação da designer Ana Neute (@ananeute) com a cerâmica não se deu pelo contato direto com o material. Mas, sim, pela sua observação e entendimento. “A taipa é um método de construção milenar, que parte da compressão da terra com golpes de pilão. Atualmente, tem sido retomada e vem ganhando novos usos. No meu caso, tudo começou quando me coloquei a questão: como seria transformar a terra em objeto?”

Baixo impacto. A partir de então, e com o apoio do engenheiro Fernando Ogando, da Artesania Engenharia, especialista na construção de casas a partir da técnica, se seguiram dois anos de pesquisa da taipa aplicada ao mobiliário. Juntos, eles testaram moldes e receitas até encontrarem a proporção ideal, que permitisse construir blocos coesos. Nascia assim a coleção Solo, com mesas de apoio, mancebo, vaso e castiçais, na qual a madeira surge como um elemento complementar.

“O que mais me interessa no design atualmente é a pesquisa de materiais e técnicas. Tanto artesanais quanto industriais e, em alguns casos, a junção de ambos. Meu objetivo inicial era pesquisar um material novo, então o desenho dos móveis não veio primeiro, mas foi fruto dessa investigação. Participei da construção dessas peças desde suas primeiras etapas, e a troca de conhecimentos que aconteceu entre nós me levou a encontrar muitas soluções pelo caminho”, pontua ela.

Segundo Ana, o trabalho com a taipa a levou a ficar muito atenta aos materiais e técnicas disponíveis no Brasil. Processos que, mesmo aplicados a outros contextos, podem vir a integrar o seu repertório. “Quero continuar a estudar a taipa e, se possível, construir peças em escala ainda maior. Trata-se de uma tecnologia limpa e de baixo impacto ambiental, pois se retira a terra do próprio local da construção. E, por tudo isso, não poderia ser mais atual.”

E, como em todo tipo de artesanato, só mesmo a prática é capaz de levar à perfeição – além da taipa de pilão, novas coleções de argila e barro também já estão a caminho. “Claro que pretendo prosseguir me exercitando no material. A cerâmica continua a me inspirar muito. Primeiramente, quero acrescentar uma nova cor à coleção Componente. Mas não descarto também desenvolver novos vasos e, quem sabe, até móveis de diferentes formatos”, adianta Murilo Weitz.

“Estou sempre explorando novas possibilidades com a cerâmica. Me agrada a ideia de mesclar o barro a materiais como o latão, a resina, a madeira. Também penso em trabalhar em escalas maiores, como no mobiliário. Meu desejo é poder movimentar e valorizar ainda mais a comunidade onde vivo. Mas, ao mesmo tempo, colaborar com outras marcas nacionais”, conclui Marcus Camargo.

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