No clássico dos patas, Juarez era psicopata desde criancinha. Ele lera a respeito de sociopatia e psicopatia, dois tipos de transtorno de personalidade antissocial, e não se via como um monstro-raiz, desses que, na infância, estrangulam bichinhos (jamais fizera isso) e depois vão pela estrada da vida de barbaridade em barbaridade. De fato, era um psicopata leve, no máximo moderado, tendo um comportamento quase normal; utilizava como critério de autoidentificação uma característica de sua galera psico. “A gente disfarça legal”, dizia sempre a si mesmo.
Os disfarces começavam na infância, quando fez amizades, embora poucas e de curta duração. Prosseguiram na adolescência, com as namoradinhas e peguetes – poucas e efêmeras, mas reais. E culminaram, já na idade adulta, com um casamento que lhe deu dois filhos. O matrimônio durou menos de quatro anos, era pedir demais que ele mantivesse um relacionamento duradouro. As crianças ficaram com a mãe. Ele gostava dos dois meninos, mas não a ponto de cuidar deles, participar de suas brincadeiras, ajudar nas tarefas escolares; em contrapartida, nunca deixou faltar nada em casa. Em resumo, era um provedor, o que o caracterizava como um bom pai, no sentido mais careta e tradicional do termo.
Mas havia algo que fazia aquele homem frio e praticamente incapaz de evidenciar emoções tremer de sensações antecipadas: ele sonhava em matar. Não tinha planos de se tornar um serial killer, embora não descartasse a possibilidade; o que o excitava, o que o fazia ter sonhos molhados, era a perspectiva de sorver o último alento da presa e ver a luz da autoconsciência se apagar em seus olhos. Esse desejo o levou a optar por armas brancas – facas, punhais ou estiletes – e por uma investida de surpresa, a curta distância da vítima. Também decidiu investir contra mulheres, não por machismo, não por misoginia, mas por serem, na maioria dos casos, menos fortes do que os homens.
Versão carioca de Jack, o Estripador, ele atacaria prostitutas bêbadas, na zona portuária do Rio de Janeiro. É, seria um assassino serial, que nem seu avatar londrino. Em seu delírio, via o sadismo de um psicopata da pesada se derramar por seu espírito, no momento exato em que o sangue se derramasse do corpo da presa.
Certa noite, Juarez partiu para a caça. Vestia roupas negras e trazia um afiado estilete escuro de aço, quase impossível de ver em trechos pouco iluminados. Logo avistou o alvo, uma mulher de pequena estatura, que cambaleava. Aproximou-se, antegozando o crime – e avistou um marinheiro abraçá-la e, rindo, levá-la para um beco escuro. Voltou para casa no ápice da frustração.
Uma semana depois, voltou à caça. Mesmos trajes, mesmo estilete pontiagudo, afiadíssimo, mas uma resolução mais firme. “Esta noite eu mato”, disse a si mesmo. “Se algum imbecil atrapalhar, acabo com os dois”.
Percorrendo as vielas da zona portuária, não teve dificuldade em encontrar uma nova vítima: uma mulher que andava tropeçando, rindo sozinha e balbuciando frases ininteligíveis. Chegou perto dela, os olhos enlouquecidos. Tocou-a no ombro para que se virasse, não ia ferir por trás, precisava ver a vida abandoná-la. E deparou-se com um olhar ainda mais desvairado que o seu e com um punhal que penetrou em seu peito, enquanto a predadora emitia um rosnado selvagem.