Cenário insuportável
Judeus, cristãos e muçulmanos vivem uma guerra santa sem fim
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emO conflito entre israelenses e palestinos já dura 75 anos, mas o Hamas conseguiu desferir o maior ataque militar a Israel décadas, desencadeando uma reação brutal que pode ampliar a carnificina em plena Terra Santa, berço das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo
Não há esperança de dias melhores na Terra Santa. O que era ruim ganhou proporções apocalípticas para os palestinos, depois que o Hamas decidiu aproveitar um feriado nacional em Israel para promover morte e destruição. Há 15 dias o grupo lançou o maior ataque a Israel, com uma violência sem precedentes na maior ofensiva armada da organização nos territórios palestinos.
O Hamas controla a Faixa de Gaza desde 2007. A última vez que Israel sofreu um ataque assim foi em 1973, na Guerra do Yom Kippur, o maior fracasso militar desde que o Estado foi criado.
Rompendo o cerco imposto pelo governo israelense há 16 anos, militantes do Hamas soltaram 2.500 foguetes contra território israelense, ao mesmo tempo que promoviam uma invasão por terra, com centenas de combatentes abrindo fogo contra civis e soldados. O resultado foi sanguinário, com 250 mortos e 1.590 mil feridos. Autoridades do governo israelense declararam estado de guerra e emergência nacional, com a convocação de reservistas.
Enfurecido, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu instou os palestinos a saírem de Gaza e prometeu “reduzir os esconderijos do Hamas a ruínas”. Tem cumprido com fervor a promessa de um contra-ataque contra civis e inocentes que já provocou pelo menos 3 mil mortos, sendo 1.500 palestinos. Ainda há 6.200 feridos em Gaza. Não sequer sequer qualquer tipo de construção de corredores humanitários para entrada de médicos e equipes de ajuda para socorrer em Gaza.
Apenas na quarta-feira, com os ataques aéreos israelenses ininterruptos morreram pelo menos 151 palestinos em Gaza. O ministro israelense anunciou que não haverá eletricidade, combustível ou ajuda humanitária em Gaza até que o Hamas libere todos os reféns.
A fúria do governo de direita foi tão desproposital que até bombas com fósforo branco foram lançadas contra Gaza — este armamento é proibido, porque o produto incendeia em contato com o oxigênio e queima tudo. A bomba de fósforo branco é uma arma de guerra proibida pelo direito internacional. Mas isso não parece ser levado em consideração pelo governo de Netanyahu.
A Human Rights Watch denunciou crimes de guerra dos dois lados. Os ataques direcionados a civis por parte dos combatentes palestinos são violações do direito internacional, mas também a “punição coletiva” à população de Gaza por forças israelenses é imperdoável. É evidente que Israel é um Estado que tem o direito de se defender de ataques, mas mesmo nessas circunstâncias é obrigado a respeitar o direito internacional dos direitos humanos. As mortes de civis, incluindo crianças, causadas em Gaza pelos bombardeios israelenses não são justificadas.
A ONG também destaca as décadas de repressão sistemática do Estado de Israel ao povo palestino que vive na cidade de Gaza, sobretudo a partir de 2007, quando o Hamas tomou o controle da região. A região está sitiada desde então.
A cidade é considerada a maior prisão a céu aberto do mundo, com pelo menos 2,1 milhões de pessoas confinadas e sem ter direito a sair da região ou qualquer tipo de autonomia. Gaza é uma colônia vigiada e sob forte vigilância, debaixo do tacão do governo israelense, agora sob o comando de uma coalizão da direita com a extrema-direita.
O mais triste é saber que os ataques do Hamas vão colocar a crise humanitária que o povo palestino vive em segundo plano, tendo em vista que a possibilidade de um acordo de paz entre palestinos e israelenses parece agora mais longe de uma resolução do que quando o Estado de Israel foi criado, há 75 anos. E ocorrem quando os Acordos de Oslo, patrocinados pela Casa Branca, completam 30 anos.
Hoje, ninguém no Oriente Médio acredita que a paz é possível. “Há uma percepção esmagadora de que a liderança palestina cometeu um grande erro há cerca de 30 anos”, disse o veterano pesquisador palestino Khalil Shikaki. “A crença de que a solução de dois Estados já não é viável também é esmagadora e isso deixa as pessoas muito mais deprimidas”.
Não há esperança em Gaza ou na Cisjordânia. A realidade dos palestinos é uma ocupação militar opressora que já dura mais de uma década. Quando os Acordos de Oslo foram assinados, em 1993, havia pouco mais de 110 mil colonos judeus vivendo na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. Hoje, o número é superior a 700 mil.
Houve um tempo, na última década do século 20, que se acreditava que com os Acordos de Oslo, os líderes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – reconhecida na época por Israel como representante legítima do povo palestino – regressaram do exílio no exterior. A OLP havia renunciado ao terrorismo e reconheceu o direito do Estado de Israel de existir.
Ainda assim, cerca de 60% da Cisjordânia permaneceu sob total controle israelense, embora houvesse entre os palestinos quem acreditava que seria possível ao povo expandir seu domínio ao longo do tempo.
Mas o progresso foi interrompido. O colapso das negociações de paz, em 2000, foi seguido pela fúria palestina quando o líder da oposição israelense, Ariel Sharon, visitou o local sagrado mais sensível de Jerusalém — o complexo da Mesquita de al-Aqsa, conhecido pelos judeus como Monte do Templo — buscando promover a soberania israelense naquele local.
A violência mortal da segunda Intifada palestina abalou o processo de paz e fortaleceu a extrema-direita de Israel. Ao mesmo tempo, extremistas ganharam apelo quando o Hamas passou a controlar a Faixa de Gaza a partir de 2007. Embora as negociações tenham sido posteriormente mediadas pelos EUA, nada avançou. A última rodada fracassou em 2014.
Os últimos meses foram os mais sangrentos na Cisjordânia em anos, com ataques militares israelenses regulares, uma série de tiroteios por militantes palestinos e violência crescente por parte de colonos extremistas. Algumas regiões da Cisjordânia – particularmente nas áreas de conflito de Nablus e Jenin – saíram do controle da Autoridade Nacional Palestina. Militantes do Hamas e da Jihad Islâmica, ainda empenhados na luta armada contra Israel, passaram a influenciar a criação de grupos novos e mais pulverizados.
O ápice da tensão estaria relacionado à mesquita de Al-Aqsa, na área da cidade considerada sagrada por muçulmanos, judeus e cristãos. Em uma gravação de áudio divulgada no momento do ataque, Muhammad al-Deif, comandante da ala militar do Hamas, a Brigada al-Qassam, disse que a violência foi uma retaliação ao que chamou de “ataques diários à mesquita Al-Aqsa” que “ousaram insultar nosso profeta dentro dos pátios da mesquita”.
Nos últimos anos, nacionalistas judeus já haviam aumentado as visitas ao complexo onde alguns sonham em construir um novo templo judaico, o que vem gerando críticas e reações dos palestinos. Em 2000, por conta da visita de Sharon houve a segunda Intifada, uma onda de revolta de palestinos que resultou na morte de 4 mil pessoas entre judeus e muçulmanos.
Em abril, a polícia israelense invadiu a mesquita usando granadas de efeito moral e balas de borracha, após uma disputa sobre atividades religiosas no local. Em julho, o ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, visitou o local, no que foi considerado uma provocação pelos palestinos. Em outras ocasiões, judeus inclusive chegaram a se disfarçar de muçulmanos para orarem ali.
Além deste fato, os ataques de 15 dias atrás também aconteceram em um momento de escalada de violência na Cisjordânia, região entre Israel e a Jordânia, reivindicada pelos palestinos, mas que tem a presença de forças israelenses desde 1967.
Cerca de 3 milhões de palestinos vivem na região da Cisjordânia (sem incluir os que moram em Jerusalém Oriental), onde também está localizada Ramallah, a capital administrativa da Autoridade Nacional Palestina. Nos últimos anos, tem havido uma proliferação de assentamentos judaicos ali. Embora sejam considerados ilegais pela ONU, tais assentamentos são diretamente estimulados pelo governo israelense. É este o caldo de ressentimentos que explica a tensão que não se dissipa.
As condições em Gaza pioram e tornam-se terríveis à medida em que Israel mantém a retaliação ao Hamas. A Casa Branca manda Antony Blinken a Tel Aviv.
Com mais de 300 mil pessoas desabrigadas, a Organização das Nações Unidas alerta que a situação em Gaza caminha para se tornar o maior “desastre humanitário” no Oriente Médio em décadas. Na semana seguinte ao ataque dop Hamas, enquanto as tropas israelenses se movimentavam em direção à fronteira para uma possível invasão terrestre, Antony Blinken se reuniu com autoridades israelenses.
Nada menos que 2,1 milhões de residentes em Gaza enfrentam a escassez crítica de alimentos, água e combustível, enquanto as tropas israelenses anunciam uma uma possível invasão terrestre. O New York Times descreve que “Israel está espancando Gaza com uma ferocidade não vista em conflitos passados e cortou suprimentos vitais para o território”.
Os militares de Israel dizem que estão atingindo lugares usados pelo Hamas, que controla Gaza, incluindo mesquitas, casas e muitas localidades habitadas por civis. Palestinos dizem que os ataques aéreos estão causando danos indiscriminados a civis e locais civis, e observadores independentes confirmaram que hospitais, escolas e ambulâncias foram destruídas. A situação é de pânico.
A única usina de Gaza parou de gerar eletricidade por falta de combustível. Foram desligados todos os aparelhos, de geladeiras até as luzes. Grande parte da região não tem água corrente. Os hospitais estão sobrecarregados com pacientes feridos e ficando sem suprimentos vitais. O combustível para geradores e veículos está diminuindo rapidamente. Alimentos e água já são bens escassos. Não está claro quando a ajuda humanitária será permitida.
“Estamos enfrentando um enorme desastre”, disse Adnan Abu Hasna, funcionário da agência das Nações Unidas que ajuda os refugiados palestinos. Ele permanece em Gaza e descreveu as condições como “absolutamente horríveis”.
Com os Estados Unidos intensificando seus embarques de armas para Israel, o secretário Blinken se juntou ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em uma base militar em Tel Aviv. O encontro mandou uma mensagem clara para reforçar o apoio a Israel “enquanto a América existir”.
“Eu venho diante de você não apenas como secretário de Estado dos EUA, mas também como judeu”, disse Blinken,. “Eu entendo em um nível pessoal os ecos angustiantes que os massacres do Hamas carregam para os judeus israelenses em todos os lugares”. E afirmou: “Este é um momento para clareza moral.” Os árabes, unidos, reagiram. Gaza não é campo de concentração. O pavio foi aceso e o barril de pólvora explodiu. Como dissipar a fumaça, é uma incógnita.