Dados de recente pesquisa realizada no Instituto Patrícia Galvão mostram que 76% das mulheres já sofreram assédio no trabalho. Números que se confirmam por registros crescentes junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que mensurou um aumento de 64% nas denúncias de assédio sexual no local de trabalho no período de 2015 a 2019. Em 8 de março deste ano, a Rede Nossa São Paulo lançou a quarta edição da pesquisa “Viver em São Paulo: mulher”, mostrando, entre outros resultados, que 88% das mulheres relataram aumento do assédio e da violência em 2021 em relação ao ano anterior.
São muitos os dados, frutos de pesquisas sérias, que nos dão a dimensão de quão arraigada está a cultura do assédio moral e sexual de mulheres em todos os segmentos de nossa sociedade. Na Justiça brasileira, que não é um feudo nem uma ilha fora da realidade cotidiana, não poderia ser diferente. A diferença é a resposta que se está buscando dar a essa prática que tem efeitos tão nocivos.
É sabido que dentro de instituições de poder os casos de assédio são preocupantes. Em pesquisa conduzida pelo juiz de Direito Rodrigo Foureaux, 74% das mulheres entrevistadas em ambientes militares afirmam terem sofrido assédio sexual dentro destes órgãos e, aponta ainda, que 83% destas não realizaram denúncia por medo de perseguição, de atrapalhar suas carreiras ou ainda por não confiarem nas instituições.
O Poder Judiciário é órgão competente por excelência para instruir e determinar punição em casos como esses, mas nem por isso devemos supor que somos internamente imunes da ocorrência desse tipo de violência. De modo que precisamos reconhecer, de uma vez por todas, que nosso papel não é apenas de atuar no resgate dos ideais de justiça no âmbito externo, mas também dentro de nossa própria estrutura. E essa movimentação de membros e órgãos do Judiciário vem evoluindo cada vez mais, com destaque para a luta contra a violência contra as mulheres.
Nesse particular, é crescente o número de ações promovidas ou apoiadas por instituições ligadas ao Poder Judiciário na defesa das mulheres, inclusive com provocações junto ao Congresso Nacional para aprovação de importantes leis, como a que regula o Programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica (Lei nº 14.188/21) e a que criminaliza a violência política contra as mulheres (Lei nº 14.192/21).
No âmbito interno, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em outubro de 2020, aprovou a Resolução nº 351 que instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, ao Assédio Sexual e à Discriminação dentro do Poder Judiciário brasileiro.
No enfrentamento específico da violência contra as mulheres, as Cortes de Justiça nacionais têm criado políticas internas específicas para esse fim, a exemplo da Ouvidoria da Mulher em funcionamento no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Trata-se de canal de comunicação exclusivo para que mulheres vítimas de assédio, moral ou sexual, e de discriminação possam fazer suas denúncias, sejam elas juízas, promotoras, advogadas, colaboradoras ou eleitoras, sendo que essas informações serão tratadas apenas por mulheres, que farão o acolhimento da vítima, com sua escuta ativa, e promoverão os encaminhamentos necessários, tanto na parte correicional quanto, inclusive, de apuração criminal.
É urgente que todo o Poder Judiciário implemente iniciativas como as Ouvidorias da Mulher, pois só teremos condições efetivas de garantir a igualdade, equidade e isonomia determinadas por nossa Constituição de 1988 quando internamente cumprirmos com nosso dever. Como diria o ditado popular, “o exemplo começa dentro de casa” e esse, tem sido dado!
(*) Tânia Regina Silva Reckziegel é desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Márcio Moraes é juiz-membro e ouvidor do TRE-GO.
(**) Artigo publicado originalmente no portal do CNJ