Depois de 17 anos, relembrar detalhes das operações policiais de desocupação na cidade Estrutural não foi tarefa fácil. Por isso, o primeiro dia de julgamento dos PMs que participaram do episódio que ficou conhecido como “Massacre da Estrutural” foi marcado por contradições.
Prevista para começar às 9h, a audiência teve um ponto de partida apenas às 11h30. Antes disso, alguns debates e consensos entre defesa e acusação. Um deles foi a redução do número de testemunhas de 42 para 30 – 12 comuns, um do juízo e o restante de defesa. O Júri vai condenar ou inocentar oito dos 10 reús, acusados de um homicídio simples, dois qualificados, uma tentativa e lesão corporal grave.
Primeira testemunha a ser ouvida, Rosita Maria Gomes, 65 anos, teve dificuldades de remontar o passado durante sua oitiva. Diante de um plantel de advogados de defesa e dos próprios acusados, a mulher divergiu em determinados pontos do primeiro depoimento que deu em 2003, portanto 12 anos atrás.
Enquanto naquela época ela disse que um filho seu, de 13 anos havia fugido, ontem, dona Rosita informou que os policiais levaram sua criança como refém. Segundo ela, os PMs queriam informações sobre o paradeiro de Milton Sá, uma das vítimas da chacina. E só depois devolveriam seu filho. A criança, no entanto, nunca mais apareceu, segundo dona Rosita.
Mas ela fez afirmativas enérgicas nesta segunda. Inclusive na hora de apontar o policial Wolney Rodrigues da Silva, como um dos responsáveis pelo policiamento violento à época. Disso, ela não teve dúvida nenhuma.
Rosita disse também que apanhou de soldados com pedaço de madeira e que teria sido jogada numa vala e que lá dentro já tinha um corpo. Segundo ela, mais tarde ficou sabendo se tratar de Luciano Pires Aquino, primeira vítima da chacina. A defesa dos acusados usou os pontos discrepantes para interpelar a depoente.
Um dos integrantes de acusação reconheceu os trechos divergentes do depoimento de Rosita, mas ressaltou a idade dela.
Na segunda oitiva, Paulo Gomes de Sousa Júnior depôs como testemunha comum por integrar a equipe do Ministério Público Militar que investigou o caso na época. Ele relatou pressões externas e internas para a condução das investigações.
Um fato curioso chamou a atenção. Sousa Júnior disse que a Operação Tornado já estava agendada para Estrutural e que ocorreria dois dias depois dos assassinatos – num sábado. Uma informação que contradiz o que se sabia até hoje. Essa operação era para acontecer apenas em Samambaia e Ceilândia para desarmar a população, mas o comando da PM decidiu levar para a Estrutural.
Houve questionamentos sobre o procedimento na Estrutural, mas o comando manteve a decisão. O próprio senador Cristovam Buarque (PDT), que à época era governador, suspeitou da legitimidade da operação. “Por isso mantenho a suspeita de que ali houve intenção de vingança por conta do policial que foi morto no mesmo local”, disse em entrevista ao site Notibras.
Uma das testemunhas do caso, o ex-secretário de Segurança Pública, Roberto Aguiar, apresentou um atestado médico é não deve comparecer no julgamento. O senador Cristovam também já informou que não irá ao Juri.
O advogado e assistente de acusação, Ennio Bastos, criticou a postura do parlamentar de não comparecer. Ele defende que Cristovam se enquadra na culpabilidade pela tese da Teoria do Domínio do Fato. O pedetista era a autoridade máxima e deveria saber como procedia sua PM. O julgamento está previsto para acabar na próxima segunda-feira, 31.
Elton Santos, aovivodebrasilia.com.br