O mundo da arte e suas rixas é tão – ou mais – interessante quanto as boas parcerias. A poesia de Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, por exemplo, nunca foi a mesma, depois que os rapazes se conheceram, já na outra ponta, sobram boatos a respeito do ódio entre Mozart e o compositor Salieri. No limite entre o choque e a fascinação, também estão nessa lista o pai da comédia francesa de todos os tempos e seu oposto trágico Jean Racine. Está estreando o ringue musical de Molière, com Matheus Nachtergaele e Renato Borghi, juntos no palco pela primeira vez.
Na grande produção, o diretor Diego Fortes – que colhe o destaque de seu premiado O Grande Sucesso – foi convidado por Borghi para encenar a peça musical escrita pela mexicana Sabina Berman. “A autora criou uma fábula sobre a vida do artista a partir do conflito entre Molière e seu então aprendiz Racine”, explica. Na história o dramaturgo, interpretado por Nachtergaele, já tem o prestígio do Rei Luis XIV e habita a corte com suas comédias.
A pedido do jovem Racine, Molière começa a treiná-lo até que o estilo épico do aprendiz começa a ameaçar o riso de seu mestre e sua posição de artista do rei, em um embate que remonta à própria essência do teatro representado na oposição das máscaras gregas tragicômicas. “Eles brigam para reafirmar seu gênero como mais nobre e preferido do rei”, conta Nachtergaele. “O que quer dizer ter seu trabalho patrocinado e sobreviver.”
Quem se aproveita desse conflito entre os artistas é Borghi, na figura do arcebispo Péréfixe. “Ele é a entidade burocrática e hipócrita que quer censurar tudo, do mesmo jeito que hoje em dia”, afirma Borghi.
Imersos nessa situação em que a luta pelo próprio talento e a defesa do trabalho é o que garantirá as contas pagas, o espetáculo pretende elaborar, com leveza, questões sobre a nobreza de rir e chorar e o que é mais caro: a liberdade de criação ou se subordinar aos financiadores de uma obra. “A peça coloca os personagens para refletir sobre o que é possível ser e o quanto isso pode ser perigoso”, aponta Nachtergaele.
Para ambientar a trama, o diretor apostou em uma montagem que não registrasse exatamente o século 17. “Esse texto poderia virar um teatro clássico, com cortinas vermelhas, mas percebemos que as questões trazidas ultrapassam essa época”, aponta Fortes. Desde o figurino às composições musicais, a peça quer ser um ringue de cores, músicas e a importância do artista no centro, sem coxias. 1º round!