Jovens de várias regiões administrativas do Distrito Federal entregaram neste sábado (27) ao governo local uma carta com propostas para o enfrentamento da violência contra a juventude negra e da violência de gênero, referente a mulheres e à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), com foco na ampliação de políticas públicas culturais como estratégica de resistência. A entrega ocorreu durante um sarau, com música, poesia e teatro, em Samambaia
O evento é uma iniciativa do Grito das Periferias: Diálogos sobre Juventudes e Violência – rede de articulação apoiada pela Embaixada do Reino dos Países Baixos, que reúne cerca de 30 coletivos de jovens de 16 regiões administrativas do DF e de três municípios de Goiás, no chamado Entorno de Brasília.
Segundo a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Márcia Acioli, uma das questões que afetam muito os jovens, no DF e em todo o país, é o comportamento da polícia, que “age de forma diferente no tratamento a jovens negros”. “As polícias têm que ter um olhar inverso para os autos de resistência que justificam a morte de jovens negros, como se eles fossem bandidos. É a cultura que traz força para eles sobreviverem a essa violência.”
Para ela, é preciso descriminalizar a juventude negra e saber o que os jovens querem. “Quando se fala em direitos, as organizações ‘adultas’ falam em saúde e educação como estruturantes, mas negligenciam as coisas que são estruturantes para a própria juventude, e quem sabe falar disso são eles. Por isso, temos que propiciar mais espaços de diálogos com o Poder Público.”
A construção da rede Grito das Periferias foi motivada pelos resultados da pesquisa sobre violência na Estrutural, em 2014, por adolescentes do Projeto Onda, do Inesc. O levantamento apresentou o panorama das violências que afetam a vida dos jovens daquela comunidade e motivou o diálogo com outros movimentos do DF.
Segundo Vinícius Moreira, de 19 anos, estudante de letras da Universidade de Brasília (UnB) que participou da pesquisa, os dados são preocupantes. Principalmente quando “todos os meninos negros relataram que a violência policial era a que mais os afetava, e isso não foi visto entre os meninos brancos”. Ele conta que 90% das meninas se preocupavam com a violência sexual e reclamavam da falta de acesso à cultura.
“É nítida a preocupação. Queremos que o governo aja de maneira efetiva para que as propostas sejam atendidas. Ele [governo] tem que perceber que a juventude está ativa, que quer ser escutada e está sofrendo com a falta de políticas públicas”, disse Vinícius.
O músico e educador popular Markão Aborígine, membro do coletivo Art’sam, disse que vivencia o problema da falta de espaços culturais para jovens. Ele faz parte do movimento hip hop há 15 anos e acredita que não são necessárias grandes estruturas físicas para a cultura, mas acha que é responsabilidade do Estado disponibilizar acesso a ela.
“O movimento cultural de Samambaia luta pela ocupação de espaços públicos. A cultura pode ser criada em qualquer canto, mas é preciso ter esse olhar. É difícil acessar um bem cultural aqui, já que 99% dos museus estão no núcleo, em Brasília. Acreditamos que, tanto tem que haver um movimento para construção desses espaços quanto fomento para o acesso”, disse.
Para ele, o evento foi mais do que um ato político de entrega; que seja uma mobilização constante para que as propostas sejam cumpridas. “O olhar para a juventude negra é sempre muito criminalizador. Quando se fala em redução da maioridade penal se coloca toda a culpa da violência nos ombros da juventude. É preciso ter um olhar mais zeloso sobre os jovens negros, porque a única herança que temos até hoje é a luta”, disse Markão.
Andreia Verdélio, ABr