Antes iluminado pela brancura azeda de sua pele, o palco nada republicano do rei de ouro da jogatina norte-americana começa a ser ofuscado pela atual dama de paus da Casa Branca. O adeus de Joe Biden à reeleição à presidência da maior democracia do mundo acendeu todas as luzes dos bastidores políticos de Donald Trump. Similar à palidez do candidato, a amarela começou a piscar domingo (21) à tarde, pouco depois do anúncio oficial da desistência de Biden. A vermelha do Partido Republicano está acesa desde que a vice Kamala Harris despontou como a sucessora de Biden na corrida presidencial pelo Partido Democrata.
Para quem vivia em estado de graça e já se imaginava de volta à White House, Trump deve ter acordado na segunda-feira (22) com o rabinho loiro escondido entre as pernas pornograficamente branquelas. No seu café da manhã, Kamala Harris deve ter sido avaliada como três gotas de pimenta malagueta derramadas desavisadamente no ketchup de seu hambúrguer. A saída de um adversário frágil física e politicamente joga um balde de água gelada nas bravatas republicanas. Após permanecer vivo e com a orelha com tampão, mas no lugar, na melhor das hipóteses, os marqueteiros serviçais do magnata estão obrigados a repensar a campanha. Fato novo, na teoria e na prática, a apimentada Kamala pôs fogo na simbólica mandala auricular de Trump.
Hoje, a peleja que estava supostamente ganha cheira a uma inesperada reviravolta. No mínimo, um empate técnico, com tendências cristalinas para o azul. Mulher forte, corajosa, com ideias próprias e contando com apoio maciço dos correligionários, Kamala era o que Donald mais temia. Embora não manifestasse e já cantasse vitória, ele tinha pavor de sonhar com essa hipótese. Trump e seu entorno sabem que enfrentar a primeira mulher negra e de origem asiática a se eleger vice-presidente dos Estados Unidos não é empreitada para qualquer um. Derrubar alguém que quebra vidraças sem usar estilingues é coisa para macho.
Sem propostas e com o cérebro desprovido de tutanos contemporâneos e progressistas, o ex-presidente terá de usar o que ainda lhe resta de inteligência artificial se quiser se manter no ringue com alguma chance de vitória. O falso moralismo à direita, o imoral conservadorismo e a pauta extremista contra os imigrantes e contra a corrupção não se sustentam. O Brasil de seu pupilo Jair Messias comprova a tese de que, nos dias de hoje, o patriotismo exagerado, a idolatria ao Hino Nacional e o simulado lema Deus, pátria e família no máximo elegem comodoros de clubes da elite empavonada, medíocre, estimuladora do caos e financiador da escória política do Brasil.
Os discursos piegas em favor da honestidade fictícia também não enganam mais ninguém. Tanto lá quanto aqui o objetivo maior é escantear a democracia. Para fazer frente à força da mulher estadunidense, agora representada por Kamala Harris, além de insistir com as mentiras que ensinou ao discípulo Jair, Donald Trump terá de apelar a Deus e ao Diabo. Certamente esquecido da lição decorrente da relação com a peituda ex-atriz pornô Stormy Daniels, o moço fará de tudo para atacar Kamala, inclusive se utilizando de pelo menos três de seus esportes preferidos: o racismo, a misoginia e a xenofobia.
Aposto e dobro que ele seguirá o mesmo roteiro de baixaria repassado a Bolsonaro em 2018 e repetido em 2022. Funcionou uma vez, mas naufragou no lamaçal das mentiras, levando para o fundo todos aqueles que desastradamente se acham plenipotenciários donos do Brasil. Sobre Joe Biden há muito o que dizer. Apesar dos titubeios e das especulações a respeito de sua fragilidade física e mental, a altruística e patriótica desistência é a prova de que ele priorizou o país e o povo americano. Quem acha o contrário, que vote em Donald Trump e aguarde de joelhos pelo futuro prometido pelo novo Jesus dos EUA. O do Brasil não é mais aceito no céu e luta para ser atendido pelo dono do inferno.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras