Muito mais do que eleger prefeitos e vereadores que entendem tanto de política quanto eu de disco voador, o resultado das eleições urnas trouxe alguns recados que precisam urgentemente de reflexão coletiva. O principal deles é que não cabe mais o vale tudo como plataforma eleitoral. Nele se incluem mentiras e acusações idiotas e sem provas. Tudo bem que ainda são eleitos políticos aventureiros, oportunistas, farsantes e que nada têm a oferecer à sociedade. Em tese, faz parte do processo democrático. Apenas em tese, porque, de fato, eleger pessoas sem propostas e ideias para melhorar a qualidade de vida da população e das cidades acaba prejudicando toda a coletividade.
Sem bairrismos, ideologias ou simpatias partidárias, é difícil encontrar explicações para centenas de milhares de votos em defensores do golpismo, loucos e desvairados como o tal do Pablo Marçal. Perdão pela sinceridade, mas, nesse caso, o indicativo é claramente de psiquiatria e não de cultura eleitoral. Embora o ideal fosse eleger o melhor para a cidade, o estado, o país e a população, tenho de aceitar que santo e candidato cada cidadão tem o seu. O que não se explica é a eleição de fulano e ciclano somente porque eles são filhos de beltrano, o mito que satisfaz. O que eles já fizeram pelo povo que apostou neles? Com a palavra o sempre Rei Pelé.
Como faltou seriedade e consciência a determinados grupos de eleitores, sofreremos todos. É o preço que a sociedade como um todo paga por defender um sistema democrático, cuja base é a convivência harmoniosa entre as diferenças. É claro que, no Brasil, essa máxima costuma ter mão única, ou seja, há um lado que não aceita os posicionamentos do outro nem que a vaca tussa. Não preciso ser mais direito para ser entendido. Está escrito que o princípio da democracia é a vontade do povo. Portanto, mesmo sem reciprocidade, desde que assegurada minha liberdade, sou obrigado a acatar os excessos da imperfeição humana.
Outro importante recado foi dado pelos bons e maus eleitores às lideranças políticas, principalmente àquelas que ainda acham que eleição se ganha no grito, com ameaças, mentiras ou com tentativas de desconstruir o que é fato. Por exemplo, o pleito municipal mostrou que está fora de moda fazer campanha usando a falsa afirmação de que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Nem mesmo o descompensado Pablo Marçal ousou atirar em um dos maiores orgulhos do povo brasileiro. Pelo menos o povo sensato. Quem ganhou, ganhou e quem perdeu que aguarde as eleições municipais de 2028. Não sei se o tempo se modernizou. O que sei é que está provado que o Brasil é de todos.
Por fim, do mesmo modo que a esquerda depauperada e encolhida perdeu feio em cidades outrora consideradas feudos eleitorais, a extrema-direita soberba e violenta rachou e acabou amargando derrotas inimagináveis. De um lado, o líder maior da esquerda esqueceu que quem não é visto, não é lembrado, e quem não é lembrado acaba sendo esquecido. Faz tempo Luiz Inácio não diz o que faz. Dono da máquina mudo, o resultado não poderia ser outro: poucos sabem que o PIB acumulou alta de 2,9% em 2023 e que, no mesmo período, a inflação desacelerou 4,62%. A previsão de crescimento da economia para este ano subiu de 2,68% para 2,96%. Preocupado em manter esticada a colcha de retalhos que sustenta seu governo, Lula deixou de circular em redutos caros para o PT, entre eles São Bernardo do Campos e São Paulo. A sisudez custo caro.
Perdeu em um e certamente perderá em outro. Pior fez Jair Messias. Reelegeu um filho no Rio e elegeu outro em Balneário Camboriú, mas, no afã de eleger todos os santos, fez acordos mirabolantes com Deus e o Diabo. Ziguezagueou em São Paulo entre Ricardo Nunes e Pablo Marçal e bancou um “parceiro” no Rio de Janeiro. Dançou em ambos. Perdeu até em Registro, sua cidade natal, onde seu irmão acumula sete derrotas consecutivas. Os grandes vencedores das eleições municipais foram o Centrão, a centro-direita e o PSD do paciente Gilberto Kassab, que, como um bom mineiro, comeu pelas beiradas e desbancou o MDB. Juntos, comandarão a maior parte das prefeituras do Brasil. Meno male. Para o bem do país e para tristeza dos abutres da democracia, a grande derrotada foi a natimorta polarização. Que ela durma eternamente em lixo esplêndido. Graças a Deus, temporariamente o Brasil está salvo.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978