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Bombril na antena

Lado bom da pobreza é a riqueza das lembranças

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Pobre realmente não tem vez. Aliás, costuma tê-la somente quando, gentilmente, é convidado para ser cobaia de um novo medicamento contra hemorroidas de botão. Vem daí a máxima de que pobre é igual a uma lombriga, verme que morre quando sai da M….. Fora isso, do jeito caranguejo de ser, pobre só vai para frente com topada ou empurrão ou ainda quando foge do cobrador. Didaticamente, ele parece um pneu velho, pois está sempre na lona. Me incluo nesse triste e irreversível perfil. Sempre sonhando com dias melhores, em uma dessas manhãs ensolaradas, acordei feliz da vida.

A razão da felicidade foi a informação radiofonizada de que aquele era o dia D para, via internet, checar no Banco Central se eu havia “esquecido” algum dinheirinho nos bancos em que já me sentei ao longo da vida. Mesmo sabendo que, como o sabão, o dinheiro escorrega da mão de pobre, resolvi assuntar. Analógico de pai, mãe e agregados, tive de recorrer aos universitários da família. Nenhum deles achou coisa alguma. Tinhoso e persistente como uma mula no cio, busquei ajuda na figura do sábio Aristarco Pederneira, meu avô paterno. Graças a uma regressão espiritual, o velho pesquisou e rapidamente descobriu que, no registro de achados e perdidos do Bamerindus, tinha um guarda-chuva em meu nome.

Estava lá desde 1974, ano em que abri minha primeira conta corrente em uma instituição financeira de peso. Lembro que o tempo passou, o tempo voou e a pesada poupança Bamerindus me lascou. O banco mudou dessa para melhor com meu último salário de assistente do auxiliar de office-boy de uma grande empresa do Rio de Janeiro. Perdi o dinheiro e acabo de perder o guarda-chuva, pois, como todo pobre que se preza, não me dei conta do prazo estabelecido pelo Banco Central. O que fazer se não consigo mais sequer conciliar o cérebro com o pobre do coração? Pelo menos mantenho duas das maiores manias dos ricos: faço aniversário todo ano e como todos os dias.

Jovem e pobre, sentei praça na cavalaria da Aeronáutica. Não aprendi coisa alguma a respeito do Cavalo de Tróia, muito menos sobre o 14 Bis. No entanto, como arquivo de pobre é o prego na parede, assuntei novamente e, antes do primeiro voo do Condor, conclui que o sistema não teme o pobre que tem fome, mas morre de medo do pobre que sabe pensar. Nunca fui indigente, mas, ao longo da vida, me mantive como cidadão de poucas posses. Hoje eu me orgulho de minhas filhas jamais terem gozado do maior privilégio que tive: nascer pobre. Se continuo pobre, saibam que é por escolha.

O lado bom do pobre é a riqueza das lembranças. Por exemplo, qual de nós consegue esquecer do bombril na ponta da antena de TV? Cômico não fosse trágico, em casa de pobre nada se finda. Morre a toalha, nasce um pano de chão; morre o molho de tomate, nasce um copo; morre a “brusinha”, nasce um pano para tirar pó; morre a margarina, nasce um “tupperware”; morre um refrigerante, nasce uma jarra; morre um sorvete, nasce um pote de feijão; morre a sacola de feijão, nasce um saco de lixo ou uma touca de cabelo. Rico chama isso de reciclar. Para o pobre, é tudo em nome do meio ambiente.

Pior são aqueles que são tão pobres, mas tão pobres que só têm o dinheiro. Tudo bem que, ao contrário das varizes do pobre, os endinheirados têm veia poética. E daí que pão de pobre cai de vez em sempre com a manteiga para baixo! E daí que pobre se engasga até com cuspe! Pelo menos os amigos sinceros também são pobres. O melhor de minha história é que, mesmo desabastecido financeiramente, envelheci de forma mais sexy. Embora experiente, atualmente qualquer esforço é um longo gemido. Não fui e não sou pobre do tipo que, por ter aquilo pequeno, diz que tamanho não é documento e dinheiro não traz felicidade. Enriquei no espírito e, nem a pau, aceito determinadas coisas estranhas. Morro, mas não engulo mais a história de que o que desliza no toba do rico quebra no fiofó do pobre. Tô fora!

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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