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Ladrões são justos e até emotivos. Já os tiranos….

Embora desagrade sobremaneira os profetas do apocalipse, incomode os falsos moralistas e preocupe os supostos defensores da inclusão, a sociedade brasileira vive uma claríssima crise de valores. No Brasil do mito que se acha deus, nada do que se vê é o que deveria ser visto. Na melhor das hipóteses, nada do que se mostra é o que gostaríamos de ver. O Brasil das desigualdades sociais, do desemprego, da fome e da miséria quase absoluta deu lugar ao país do ufanismo barato, do nacionalismo fajuto, do fundamentalismo político e da democracia romântica, de mão única e sem nexo.

Dos bonecos utilizados para a ventriloquia palaciana somos obrigados a ouvir todo tipo de asneira. No entanto, temos de ficar calados. Emitir opiniões diferentes das que são propagadas pelo mestre que normalmente usa Deus em vão é uma heresia. De forma mais singular, é o mesmo que contrariar a doutrina estabelecida por um grupo que se acha senhor da nação. Eivados de passionalidade, os novos patriotas são demasiadamente festivos absolutamente despreocupados com o que ocorre fora do cercadinho particular, rocambolescamente criado para que eles pudessem esconder a viuvez da ditadura.

Exemplo claro disso chegou ao zap nesse fim de semana. Texto atribuído a um dos escalões mais altos e mais estrelados do governo informava que os brasileiros que verdadeiramente amam o Brasil e seu povo cantam o Hino Nacional. A frase era encerrada com a afirmação “Já os outros…”. Seca, justa e sem meias palavras, a resposta foi contundente: “Os outros sustentam o país. São os que trabalham duro, ganham pouco e ainda pagam viagras, próteses penianas, gel lubrificante e pagam pensões vitalícias para os que só sabem ficar cantando o Hino Nacional”. Para quem sabe ler, um pingo é letra.

É bom lembrar à patriotada brincalhona que patriotismo não é sinônimo de empavonamento. Em qualquer país sério, ser patriota é muito mais do que se cobrir de verde e amarelo, colocar bandana, camiseta, enfeitar seus automóveis com as mesmas cores e sair à ruas gritando enlouquecidamente que fulano é ladrão. Esquecem que o rabo de ciclano é de palha muito mais seca. No Brasil do patriotismo de feira livre, há uma enorme similaridade entre sofismar com a honestidade e dizer que cascavéis e jararacas não são peçonhentas. Em resumo, uma coisa é ser partidário do caos e aceitar ser fiador da tirania; outra coisa é lutar pela democracia, independentemente de quem venha a ser seu guia.

Resumindo um pouco mais, vez por outra os ladrões conseguem ser justos, parcimoniosos e até emotivos. Com os tiranos não há negociação: eles falam e nós escutamos. Simples assim. Ou não? Todos podem – e devem – se manifestar ou mostrar suas preferências partidário-ideológicas onde bem entender. O problema é o ar de superioridade do grupo que se acha mais próximo da divindade falsa e despreparada. Adornar o corpo e ornamentar o carro como se fossem participar de um desfile cívico é irrelevante e fácil. Difícil é tirar – pelo menos descaracterizar – o pretume da mente e da alma.

Embora nada recomendável, defender esse preceito de seita partidária ainda não é um defeito patológico. Entretanto, ouvindo diariamente frases sexistas e ataques vergonhosos às instituições, tenho dificuldades para excluir seus apoiadores do conceito de morbidez. Pois é assim que os bajuladores dos enganadores ideológicos pensam chegar ao Primeiro Mundo. Improvável com a estrutura de poder que pensam montar. Isolados, acautelados no cercadinho e odiados por quem um dia nos amou, com ela (a tal estrutura mitológica) venezuelaremos o Brasil muito antes do que eles mesmos previram. Resta-nos rogar ao verdadeiro Pai por dias melhores. Amém para quem é de amém, axé para quem é de axé.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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