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Lagartas invadem cidades e deixam sanitaristas preocupados

Foto/Reprodução

Elas não são as mais lembradas quando o assunto é animal peçonhento, mas, no último ano, chamaram a atenção de biólogos por terem causado mais acidentes no País, incluindo em grandes centros urbanos. O total de pessoas feridas ao ter contato com lagartas – ou taturanas, como são conhecidas popularmente – aumentou 35% no Brasil entre 2016 e o ano passado, passando de 3 820 para 5.157 no período, segundo o Ministério da Saúde.

O índice de mortes por esses acidentes também cresceu: de 2 para 9 em um ano. São os maiores números em pelo menos oito anos. Desde 2010 até 2016, a taxa anual de incidentes nunca havia passado do patamar de 3 mil. Segundo especialistas, as taturanas não são vilãs nessa história, mas vítimas de desequilíbrios ecológicos causados pelo homem. Duas das principais hipóteses para o crescimento da população de lagartas em áreas urbanas são o desmatamento e o uso indiscriminado de inseticidas contra mosquitos transmissores de doenças, como dengue e febre amarela.

“Para sabermos com certeza as razões, seria preciso observar por mais anos, mas uma possibilidade é que o uso de inseticidas contra mosquitos tenha matado também predadores das lagartas, como aranhas, vespas e formigas, o que pode ter causado aumento da população de lagartas”, diz André Freitas, professor de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Outro fator pode ser o avanço do desmatamento no entorno das grandes cidades, como explica Fan Hui Wen, gestora do Núcleo Estratégico de Venenos e Antivenenos e responsável pelo Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantã. “Esses animais são encontrados em mata nativa próxima de córregos ou cursos d’água. O que tem acontecido é que as construções e a ocupação humana têm invadido os hábitats naturais delas e, nesse processo, passam a ser encontradas em áreas mais próximas ao homem”, diz.

Nas redes sociais, são vários os relatos de aparecimento desses animais nas casas de paulistanos das zonas oeste, sul e norte. O Instituto Butantã tem registro de acidentes com taturanas em bairros como Morumbi e Guarapiranga, na zona sul, e em áreas próximas à Serra da Cantareira, na zona norte.

Perigos – As duas espécies de lagartas que mais frequentemente causam acidentes são a lonomia, de cerdas verdes que lembram espinhos, e a cachorrinho, de pelagem ruiva. A primeira é a mais perigosa por ser a única com toxinas capazes de causar quadro grave.

O Butantã é a única instituição no mundo a produzir o soro. Em alguns pacientes, a síndrome hemorrágica provocada pelo veneno da lonomia pode ser revertida espontaneamente. Em outros, se não tratada, pode causar lesão renal e hemorragia cerebral e até a morte.

Escola fechada – Felipe brincava de esconde-esconde na área externa do colégio quando sentiu uma sensação de ardência na mão. O menino de 8 anos não foi o primeiro a reclamar do sintoma naquele dia. Mais cedo, outro aluno do 3º ano do ensino fundamental do Colégio Oswald de Andrade, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, gritou de dor ao encostar num animalzinho encontrado no escorregador. Ambos tiveram ferimentos ao tocar nas taturanas.

“Temos uma área com árvores e parece que as lagartas gostam das espécies frutíferas. Acredito que elas tenham caído das árvores na área em que as crianças brincam”, conta Maria Antonieta Giovedi, diretora pedagógica do ensino infantil e fundamental 1 do colégio.

“Como duas crianças se acidentaram no mesmo dia, resolvemos fechar o colégio e chamar os órgãos responsáveis pela captura dos animais.” A escola suspendeu as atividades por um dia no início de março por causa dos incidentes.

Felipe, um dos acidentados, sentia, além de queimação local, dores na região da axila. “Fiquei preocupada porque os sintomas não estavam só na área do contato e decidi levá-lo ao hospital. Como ele tem asma e alergia, a reação foi um pouco maior do que só uma inflamação local. Ele teve que tomar antialérgico na veia e continuar com comprimidos e pomada por uma semana”, conta a mãe do garoto, a professora Patrícia Patachini Spinelli, de 46 anos.

Por sorte, a espécie que feriu Felipe e o colega não era lonomia, mas, sim, a cachorrinho. “O hospital entrou em contato com o Instituto Butantã, mas para essa espécie o soro não é necessário”, relata Patrícia.

Segundo a mãe, o menino ficou com inchaço local por alguns dias, além de uma marca semelhante à de uma queimadura na mão, que já desapareceu.

Passados quase dois meses do acidente, a única sequela que ficou no menino foi o receio de se aproximar de árvores e animais. “No momento, ele não está tão amigo da natureza”, brinca a mãe.

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