A discussão sobre a proposta de captação de água do Lago Paranoá para consumo humano é importante, sobretudo, para que possamos discutir os reflexos da ocupação urbana desordenada, da expansão da mancha urbana e da fragilidade de políticas dedicadas ao setor.
No DF, muitos núcleos urbanos ocuparam áreas de proteção ambiental e zonas rurais, sob a batuta de interesses escusos que exploraram o legítimo anseio por moradia sem que houvesse preocupação com a ordem urbanística ou com a viabilidade ambiental. Onde imperou a lógica do lucro fácil patrocinada por grileiros, emergiram impactos ambientais e sociais, como violência, completa ausência de serviços públicos e impactos ambientais significativos, como construção em áreas de preservação permanente, assoreamento de cursos d’água e compactação de nascentes.
Chama atenção a lógica de produção informal do espaço, a despeito de tudo que os instrumentos de planejamento urbano e ambiental preconizavam ao longo das décadas. A área reservada à barragem de São Bartolomeu, por exemplo, na região norte, infelizmente, foi parcelada e ocupada. O lago utilizaria as fontes oriundas do Rio São Bartolomeu, dos Ribeirões Mestre D’Armas e Sobradinho, além dos Rios Paranoá e Pipiripau para a construção de um reservatório três vezes maior do que o Lago Paranoá, segundo dados da Universidade de Brasília, o que permitiria o abastecimento de boa parte da população. Entretanto, o espaço está comprometido com a ocupação urbana.
Somado ao quadro de ocupação desordenada, o novo Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT contém projeto de expansão urbana de grande impacto: trata-se da construção de uma grande cidade, de extensão superior ao Plano Piloto, em terras, outrora rurais, que se estendem de São Sebastião a Santa Maria, ao longo da DF 140. O projeto, que possui forte apelo comercial e fundiário ainda é pouco conhecido, porém há grande preocupação com seus impactos não somente sobre o nosso finito estoque de terras quanto em relação ao abastecimento de água.
Feitas essas considerações, entendo que deve haver total transparência nas informações relativas à política de gestão dos recursos hídricos no Distrito Federal.
Devemos conhecer a real viabilidade de utilização das águas do Paranoá para consumo humano, comprovada por estudos criteriosos, uma vez que há duas estações de tratamento de esgoto ao longo de suas águas. É preciso implementar medidas que promovam uma eficiente proteção dos tributários do Lago Paranoá, por onde chega lixo, fertilizantes e esgoto em seu leito, além da recuperação das áreas degradadas em suas margens. A captação de água para consumo exige a aplicação de investimentos na conservação das condições ambientais do lago e na qualidade das águas em toda a sua extensão.
Devem ser disponibilizadas, do mesmo modo, à consulta e controle social e parlamentar, informações sobre o monitoramento das fontes de captação; política de combate ao desperdício e uso clandestino do lençol freático, com metas objetivas, volume de investimentos dedicados à preservação ambiental e estímulos à economia de água.
É possível e desejável que o DF avance também em políticas de aproveitamento de águas cinza e águas pluviais, que permitam a shoppings-centers, postos de gasolina, etc., bem como aos novos edifícios, condições econômicas de individualizarem hidrômetros, construírem tanques de captação e armazenamento de água da chuva.
Não devemos esquecer, por derradeiro, que o DF investiu recursos públicos de grande monta na captação em Corumbá-IV e que essa ideia foi vendida para a sociedade do Distrito Federal como a solução dos problemas de abastecimento para os próximos cem anos. A sociedade precisa conhecer os resultados desses investimentos.
Esperamos que as experiências vividas por São Paulo, que passa por um período de estresse hídrico acentuado, o que vem comprometendo o abastecimento de moradias e prejudicando atividades produtivas, sirvam de inspiração para que possamos construir uma realidade diferente no Distrito Federal.
Chico Leite