Se tem algo que não compartilho com a minha família é o puritanismo. Como todo ambiente carregado de castidade, a hipocrisia sempre se faz presente. Por isso, tratamos de varrer os pecados para debaixo do tapete. Tanto é que os casos extraconjugais, tão comuns entre os meus, só são comentados à boca pequena, apesar de conhecidos por todos.
Talvez a ambiente por aqui não seja muito diferente do seu. Para exemplificar como tratamos os acontecimentos, digamos, impróprios ou, então, fora do esperado pela sociedade, vou recorrer a uma sábia frase da minha saudosa bisavó: “Quando a situação pede, melhor tirar os olhos da barriga da noiva e mantê-los fixos no padre.”
Estou em uma idade, segundo minha mãe, perigosa para nós mulheres. É que os 35 anos bateram à minha porta e, sem qualquer cerimônia, já se sentaram no sofá. Na verdade, não me sinto velha, sem contar que raramente alguém da família foi comer capim pela raiz antes dos 70. Dessa forma, a não ser se algum imprevisto aconteça, estou na metade da existência.
Mamãe não se conforma com a minha solteirice, ainda mais porque vivo sorrindo pelos cantos. Não é para menos, certamente ela sabe o motivo de tanta felicidade no meu rosto, ao contrário das carrancas de outras mulheres da família. No entanto, minha mãe não está acostumada com essa liberdade que desfruto, pois não tenho filhos para criar nem marido para me torrar a paciência.
Apesar da minha mãe sempre pegar no meu pé, há tempos procuro não ligar. Na verdade, não raro, consigo até tirar boas gargalhadas da minha velha, como aconteceu ontem, quando fui lhe fazer uma visita. Mamãe, talvez se aproveitando da presença do meu pai e da tia Carlota, parece que se sentiu mais confiante nas suas investidas.
— Minha filha, quando é que você vai arrumar um homem trabalhador para formar uma família?
— Mamãe, esse bolo é de hoje?
— Laura, estou falando com você!
Enquanto mordiscava o bolo de cenoura, especialidade da minha mãe, ela me lançou aquele olhar de brava. Não que ela seja assim, pois desde menina percebi que mamãe era péssima atriz.
— Você não vai me responder, Laura Maria?
Minha mãe, ao me chamar de Laura Maria, chamou a atenção do papai e da tia Carlota. Os dois fixaram os olhos nas cenas dos próximos capítulos, que aconteceram logo em seguida.
— Responder o quê, mamãe?
— Por que você não se casa com um homem que a faça feliz para sempre, minha filha?
— Mamãe, é que prefiro a brevidade de um picolé.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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