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Lavrador do espaço semeia na Terra sonhos universais

Sexta-feira chuvosa, estou à mesa comendo uma pizza junto de meu pai e de meu filho. Três gerações fortemente interligadas. Sinto-me um homem afortunado, pois recebi e transmitirei histórias. Sou, certamente, um elo da cadeia que se iniciou com a criação e terminará com o mundo. Eu passarei, mas ficarei como ficaram meus antepassados.

A dúvida me assalta – serei lembrado?

Ainda esta semana, em rápida conversa com Sarah Munck, autora de “O Diagnóstico do Espelho“, muito admirada poetisa (ou poeta – ainda não perguntei a ela, diante de questões modernas de gênero, a variação do substantivo que prefere), ela me lembrou uma pesada palavra: ostracismo.

A dúvida persiste – nosso destino é o cruel ostracismo? Sermos apagados na sucessão indiscriminada e insensível das eras?

Meu filho propõe uma saída: vivemos numa simulação, dentro de um sistema. Lembro-me do meu amado Schmidt. “Tudo é inexistente, disseram os príncipes deitados na areia.”

Meu pai é mais concreto: estamos sozinhos no universo. A Terra é o único planeta habitado.

Não sei qual das duas teorias pior me soa. Pois em ambas não encontro nenhum consolo. Se estamos numa simulação, coube-me parte muito débil, muito modesta. Queria, ao menos, que minha poesia chegasse mais distante do que já foi. Se estamos sozinhos, as inúmeras constelações me parecem uma inutilidade absoluta, quase uma prova concreta de que não há Deus a, secretamente, observar-nos no escuro ou avaliar-nos no espelho, eis que, disse o texto sagrado antigo, fomos feitos à Sua imagem e semelhança.

Olho minhas mãos e imagino as inutilidades de que foram capazes nesta vida, embora hajam, em conjunto com minha mente às vezes relutante de iniciativas, mitigado alguns sofrimentos, posto fim a algumas angústias de meus semelhantes.

Sigamos.

A esta hora talvez, em algum orbe do infinito vazio, perdido nessa vastidão de espaço, de planetas, sóis, arquissóis e galáxias que ora as nuvens tampam, um modesto lavrador que detém segredos muito mais antigos do que sei, prepare sua terra para a nova estação de plantio, e após a dura faina vá repousar em modesta habitação onde a maior riqueza seja o fidedigno amor de sua família.

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