Provavelmente, uma das primeiras vivências sobre a morte e o morrer em tempos pré-históricos foi a morte por hemorragia, a perda massiva de sangue. A visão da vida se esvaindo lenta, mas continuamente, até a perda dos sentidos e morte, ainda hoje é impactante. Mesmo com todo conhecimento da atualidade, continua impactante. O sangue ocupa um lugar central tanto na mitologia do vampiro quanto na tradição alquímica, sendo frequentemente associado à força vital, regeneração e imortalidade.
O sangue sempre foi relacionado, desde à manutenção da vida até a relações sociais. Essas relações são ainda mais profundas por ecoar fortemente entre as tradições anciãs de qualquer cultura. É razoável perceber sua influência na Opus Magnun alquímica, onde o sangue pode ser a chave que nos conduzirá à transmutação, não só física, como espiritual. Continuemos com o personagem Drácula, que suga, além do sangue, a essência de suas vítimas para manter sua existência (voltaremos na parte 3 a refletir sobre essa frase), enquanto Van Helsing e os demais tentam impedir essa profanação da vida. Podemos comparar esse ato de sugar e consumir sangue ao ritual alquímico de transmutação, porém ao contrário.
Veja só, enquanto a alquimia busca a sublimação da matéria em direção ao espírito, Drácula rebaixa o espírito ao nível da matéria. Voltando à tradição alquímica, podemos interpretar o sangue sob diversas camadas simbólicas. Desde a antiguidade, o sangue era visto como a essência da vida, um dos veículos da alma. A crença de que o sangue é a morada da alma aparece em várias tradições antigas e sistemas de pensamento esotéricos. Ela abrange as tradições do antigo Egito; na tradição Greco-Romana percebemos na obra Odisséia, em que Homero fala sobre mortos vivos que voltam à vida após consumirem sangue!
Olha só que interessante, Homero pode ter falado em vampiros, sem chama-los por essa designação! Nas tradições Judaico-Cristãs, em Levítico 17:11 – “Porque a vida da carne está no sangue” e no cristianismo através da eucaristia. Já, a tradição alquímica via o sangue como um fluido vital que continha o espírito da matéria. Algumas vertentes do Hermetismo interpretavam o sangue humano como uma manifestação da energia universal (spiritus mundi), enquanto alquimistas acreditavam que a Pedra Filosofal poderia regenerar o corpo como se fosse um sangue imortal e purificado.
Muitas culturas Xamânicas e tribais associam o sangue à alma e ao poder espiritual. Em rituais de sacrifício e iniciação, o sangue derramado era considerado um canal de comunicação entre os vivos e os espíritos, sendo visto como a essência que transporta a energia vital. Nessa breve e microscópica observação, é possível fazer conexões entre sangue e alma, e percebemos que o sangue é um arquétipo presente em diversas civilizações, reforçando sua simbologia como elixir da vida, essência espiritual, fonte de poder místico e por aí vai. Talvez, esses aspectos históricos e atávicos possam explicar por que o vampiro, um ser morto e privado de sua própria vitalidade, precisa absorver o sangue dos vivos.
O vampiro, ao se alimentar de sangue, “copia e utiliza esse conceito”, buscando prolongar sua existência ao absorver a vitalidade alheia. É na última fase da Obra Alquímica (Rubedo), que se alcança a transmutação final, representada pela cor vermelha. O sangue, sendo naturalmente vermelho, pode ser visto como um símbolo dessa culminação, onde ocorre a união dos opostos e a obtenção da pedra filosofal interna.
Voltando ao romance, é perceptível o confronto entre Ciência e Magia. A alquimia se situa entre a ciência e a magia, assim como os métodos usados pelos personagens para enfrentar Drácula. O professor Van Helsing, por exemplo, é um cientista, mas também um estudioso do ocultismo, o que o torna um alquimista moderno. Ele combina o conhecimento médico com amuletos e rituais, unindo razão e mistério – uma dualidade fundamental na alquimia. Observe como o autor, de forma brilhante, faz esse equilíbrio entre essas forças. Van Helsing, na luta contra o vampiro, utilizará as ciências ocultas e as ciências da racionalidade daquela época. Ele utiliza símbolos sagrados, como o crucifixo e a hóstia, que lembram a alquimia espiritual. Vai usar o alho, que está associado à purificação, como certos ingredientes alquímicos usados para afastar influências negativas. E, para finalizar seu objetivo, a decapitação e fogo, que são rituais de purificação semelhantes aos usados na Grande Obra Alquímica e nas tradições xamânicas.
Os dilemas de Van Helsing, a mistura da fé com a ciência, é o próprio dilema da alquimia, oscilando entre o esotérico e o empírico. Dos personagens complexos, intrigantes e misteriosos, Mina Harker será o próprio mercúrio alquímico da equação por encarnar o princípio da transmutação, mediação e fluidez dentro da tradição hermética. Caberá a ela representar a energia mutável e intermediária que permite a transição entre diferentes estados da matéria e do espírito, sendo a ponte entre o visível e o invisível, purificando o mercúrio corrompido (Drácula). Inicialmente ela sofre a influência de Drácula e quase se torna um vampiro, simbolizando a fase nigredo, de dissolução. Porém, ela é a chave para a derrota do conde, pois seus sentidos conectados a ele ajudam os caçadores a rastreá-lo – um papel de mediação, assim como o Mercúrio conecta diferentes estados da matéria.
Ao final do livro, sua purificação representa a conclusão do processo alquímico. Além de tudo isso, Mina também representa a união dos opostos: feminino e masculino, razão e intuição, ciência e fé. Essa síntese reflete a busca alquímica pela perfeição e pelo equilíbrio entre forças antagônicas. É ela que será o princípio da mudança viva, aquele que conduz a matéria densa à luz da consciência. Ser Mercúrio Alquímico, no sentido mais elevado, é estar no caminho da transmutação interior, dissolvendo impurezas e ascendendo espiritualmente.
É o princípio da mudança viva, aquele que conduz a matéria densa à luz da consciência. Enquanto o alquimista busca a purificação e a elevação espiritual, o vampiro pode ser visto como sua contraparte sombria. Em vez de alcançar a Iluminação pelo refinamento da matéria e do espírito, ele consome diretamente a essência vital de outros, estagnado em um estado intermediário entre a vida e a morte. Isso o transforma em um ser aprisionado na matéria, um imortal sem transcendência. Essa visão do vampiro como um “falso alquimista” que busca a vida eterna sem a purificação espiritual reforça o caráter simbólico de sua sede de sangue: ele anseia pela vida, mas nunca pode verdadeiramente possuí-la.
……………………….
Marco Mammoli é Mestre Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas.
……………………….
O Colégio dos Magos e Sacerdotisas está aberto aos novos membros, neófitos e iniciados, para o aprendizado e aprimoramento das Ciências Ocultas. Os interessados podem entrar em contato direto através da Bio, Direct e o WhatsApp: 81 997302139.