O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), deu um passo importante para a política brasileira. Na entrevista ao programa Conversa com Bial, que vai ao ar na TV Globo ainda nesta quinta-feira, o aspirante a candidato presidencial em 2022 diz ao apresentador: “Eu sou gay”, mostra a chamada antecipada pelo Instagram do programa. “Sou um governador gay, não um gay governador. Como Obama era um presidente negro, não um negro presidente. Tenho orgulho disso.”
Num país onde gays e transexuais sofrem agressões diárias, presidido por um mandatário abertamente homofóbico e onde a TV aberta ainda tolera apresentadores que cometem crime abertamente, como Sikêra Junior, não é uma declaração trivial. É um posicionamento político.
Leite acena a um público que não está mais disposto a considerar a orientação sexual um tema a esconder, e isso não quer dizer que necessariamente seja um eleitor apenas identificado com a esquerda. O governador, de 36 anos, fala a toda uma geração. Ele quer e pode, se for bem-sucedido dentro da briga interna do PSDB e da direita tradicional, ser o único millennial na corrida presidencial e por isso fala aos seus pares e aos mais jovens também. Nada mais cringe do que inventar subterfúgios para a questão.
O governador tucano se torna o segundo mandatário estadual abertamente gay, ao lado de Fátima Bezerra (PT-RN), no momento em que outro político gay, Fabiano Contarato, brilha na CPI da Pandemia e parlamentares trans fazem história. Um alento em meio ao obscurantismo bolsonarista. Leite segue os passos de Pete Buttigieg, que em 2020 se tornou o primeiro democrata abertamente gay a disputar as primárias presidenciais nos EUA. Não levou, mas se tornou um termômetro na corrida e ganhou uma importante disputa, o caucus em Iowa.
O governador vai chamar atenção em rede nacional num momento de especial desalento para os candidatos a presidente que não são Luiz Inácio Inácio Lula da Silva nem Jair Bolsonaro. As pesquisas que simulam os cenários de 2022 mostram um espaço reduzido, no momento, para a direita e centro-direita e também para o progressismo desenvolvimentista não lulista que Ciro Gomes (PDT) ainda tenta delinear. Daí que o governador do Rio Grande Sul salta na frente ao se apresentar como liberal nos costumes e na economia, um nicho ainda pouco explorado no país.
É importante também que essa declaração saia de um político do PSDB, um partido em crise de identidade (parte dos tucanos se abraçaram à ultradireita bolsonarista, João Doria, que chegou até a vetar livros escolares, e o próprio Leite incluídos), mas de fundações social-democratas relevantes. Como lembrou o antropólogo Lucas Bulgarelli, os caminhos abertos pela esquerda nos nos 80 e 90 ofereceram as condições para o surgimento de coletivos como o Diversidade Tucana, em 2006. Embora não fossem maioria nos espaços do ativismo, militantes LGBTQIA+ do PSDB atuavam nas administrações do partido.
“Descobrimos o que há muito já sabíamos: em uma democracia, a identidade de gênero e a orientação sexual não vinculam uma orientação ideológica, e tampouco deveriam”, escreveu Bulgarelli no El País, ainda em 2018, quando 29% dos que se diziam não heterossexuais afirmavam que votariam em Jair Bolsonaro em 2018, segundo o Datafolha. Leite traz esse debate como nunca, inclusive para a militância.