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O silêncio da nossa casa

Lembrança dos tempos da ditadura ainda provoca calafrios

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Autor/Imagem:
Marlene Xavier Nobre - Foto Produção Irene Araújo

Era 1964, tinha onze anos de idade. Guardo na memória a triste lembrança de meu pai. Subiu o morro com os cabelos revirados e os olhos arregalados. Foi amparado por minha mãe.

De imediato, não entendi a gravidade do que vivíamos. Soube depois que meu pai fazia parte de um movimento político.

Foi numa segunda-feira. Meu pai estava no trabalho, em sua função de gráfico. A polícia militar fez um arrastão pela cidade à procura do grupo a que meu pai pertencia.

Ele não havia matado e nem roubado. Como cidadão, ele lutava pelos seus direitos. Prenderam todos os seus amigos.

Meses depois, meu pai ficou sabendo que seus companheiros haviam sido levados para a Ilha das Cobras (RJ), onde foram torturados e mortos.

Meu pai ficou dois meses preso no quarto de nossa casa. Lembro-me de que na casa de madeira na qual morávamos tinha frestas. Minha mãe, minhas irmãs e eu colocamos jornais para tapá-las.

Fui escolhida para ir, diariamente, comprar jornais na banca que ficava na Avenida Mauro Ramos, à altura do número 982. Antes que saísse de casa, meu pai recomendava que se alguém perguntasse por ele, que não respondesse. Poderia falar apenas com o dono da banca, mas em tom bem baixo, e dar notícias dele.

Todas as noites ele ouvia, no rádio, as notícias sobre o país.

Foi uma época muito tensa. Minha vida e dos irmãos ficou muito restrita. Só podíamos brincar no quintal, mas não podíamos dizer uma palavra. O silêncio imperava. Só saíamos para ir à escola.

Quando passavam aviões da FAB, meu pai ficava em pânico.

Meu pai era algoz de si mesmo. Não via o sol e nem a luz do dia. Ficou de barba e cabelo por fazer. Estava bem abatido.

Minha pobre mãe nada podia fazer além de cuidar e de se dedicar a ele, naquele momento difícil.

Sinto que ele foi forte para resistir psicologicamente e conseguir sobreviver. Sempre dizia para minha mãe que sua luta era em benefício de seus netos.

Os netos de meu pai cursaram a universidade. Isso foi uma grande abertura para a nossa família e para muitas outras de origens semelhantes à nossa.

Os bisnetos de meu pai experimentam hoje o retrocesso histórico relativo ao cerceamento de liberdades.

O bisavô deles, como eterno militante, deve estar novamente sofrendo por isso, no Além.

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