Sonhei com a escola onde fiz o jardim de infância. Sonhei com as músicas, as comidas, o cheiro, as cores, as texturas. Acordei enjoada. Nunca tinha me lembrado daquela época. Será que era igual ao meu sonho ou teria sido por causa dos salgadinhos e docinhos de festa de criança?
Não! Certamente não foram os quitutes que me fizeram ter tamanho pesadelo. Como sei disso? Fácil. O aniversário da Maria Eduarda, minha sobrinha, será no próximo mês. Também não foi devido ao vinho que deixei de abrir ou mal-estar que senti ao ver pela enésima vez “Psicose”, de Alfred Hitchcock. Nunca digeri direito a doentia figura de Norman Bates e aquela cena do chuveiro.
Como sei disso? Já faz mais de mês que não tenho tempo de parar diante da televisão, pois meu dia a dia anda deveras corrido. Muitas provas de final de ano para corrigir, sem falar do estresse que me rouba qualquer bom-humor quando o Natal se aproxima.
Como não gosto de Natal? Era a minha festa favorita quando menina, momento de muita correria com meus primos na casa da minha avó. A comida era das melhores também, apesar de tia Laura insistir em misturar maçã na maionese. Quando eu imaginava que tudo aquilo era batata, eis que, já na primeira dentada, aquele desconforto agridoce preenchia minha boca. A vontade era de cuspir, apesar do olhar de reprovação de mamãe.
— Leila, deixa de bobagem! Maçã faz bem pra saúde.
Engolia calada, enquanto meus grandes olhos castanhos eram preenchidos de lágrimas.
— Ih, a Leila tá chorando!
— Augusto, por favor! Nada de implicância com sua prima.
— Tá bom, vovó.
Mesmo com os panos quentes colocados por minha avó, bastava sair da mesa para que as outras crianças começassem a implicar comigo.
— A Leila é chorona!
— A Leila é manteiga derretida!
— Bebezona!
Hoje relembro isso com certo saudosismo. No entanto, naqueles tempos, a minha vontade era sumir. Ah, crianças! Como éramos sensíveis às menores coisas. Se bem que ainda não digeri muito bem essa coisa de gente que coloca maçã na maionese. Pra quê? Por acaso querem salvar o mundo?
Pesadelos vêm e vão sem avisar. Racional que sempre fui, não vou me deixar abalar por uma mera noite em claro. Hum! Pois, sim! O tempo urge, preciso me arrumar para ir trabalhar. Seja como for, antes de sair, bato três vezes na porta de casa. Quanto ao resto do dia, nada de passar por debaixo de escadas.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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