Os mais de 40 volumes sobre botânica brasileira produzidos durante o Império apresentaram a riqueza da biodiversidade do País ao mundo. As mesmas mãos que recolheram, planta por planta, foram as mesmas que assinaram o tratado de Independência do Brasil, em 1822. Divulgada nas escolas, como uma “mulher feita”, os feitos da primeira estadista do Brasil são objeto de investigação de Leopoldina, Independência e Morte, que está passando no Centro Cultural Banco do Brasil.
Embora tenha morrido aos 29 anos, a trajetória da sucessora de Carlota Joaquina parece sobreviver nas escolas e na memória do País por seu estado civil. Mesmo assim, a mulher do afamado dom Pedro I deixou legado com ações que transformariam a história do Brasil, como por exemplo, no dia 2 de setembro assinou o documento que ia contra o rebaixamento do País ao status de simples colônia e reafirmava a separação de Portugal.
Ausente, o imperador só recebeu a carta com o comunicado no dia 7 de setembro, com um final que não termina tão glamouroso às margens do Ipiranga. A cena é discutida na peça com texto e direção de Marcos Damigo. “Ela questiona a importância que se deu ao ato e a repercussão histórica da Independência.” Com isso, não há veracidade do quadro histórico com o imperador altivo em seu cavalo enquanto empunhava uma espada. “Não teve espada nem cavalo, era uma mula”, afirma a personagem interpretada por Sara Antunes.
Com episódios reunidos da biografia D. Leopoldina – A História Que Não Foi Contada, de Paulo Rezzutti, que também é consultor histórico da peça, o espetáculo é organizado em três momentos. “É perigoso tentar reconstituir a vida de qualquer figura histórica. Aqui, tentei compor momentos e estabelecer um ambiente na dramaturgia”, diz o diretor.
Na primeira cena, temos uma imperatriz quase ingênua, recém-chegada da Áustria ao País. “Ela narra seus gostos, suas atividades na catalogação de plantas e minerais, o clima e o temperamento dos nativos, além de confessar a saudade de casa e a sensação de aprisionamento, desde que o imperador se ausentou e deixou-a como chefe interina”, aponta Damigo. Para criar um conflito, o diretor recupera uma versão sobre a amizade da imperatriz com José Bonifácio, vivido por Joca Andreazza. O brasileiro, então funcionário do império, vai procurar a imperatriz após ter seus irmãos presos, em decorrência de um conflito com dom Pedro I. A ameaça de que Bonifácio seria o próximo a ser banido é quase negociada com Leopoldina. “Ele foi o primeiro brasileiro a ocupar um cargo público e em cena se torna um interlocutor de Leopoldina sobre o projeto da Independência”, afirma o diretor.
Para a atriz, o âmbito da atuação pública era luxo para os homens, mas, para aquela mulher, os desafios e os papéis se multiplicavam. “Desde que ela chegou ao Brasil, engravidou nove vezes, com muitos abortos e gerando meninas, o que não era preferência para o grande herdeiro.”
Por se dividir em tantas tarefas, Sara fica impressionada em como sua trajetória ainda é pouco conhecida. “As escolas, em geral, se preocupam em dizer que ela era feia, quando não se prendem à amante de dom Pedro I, uma relação que todos sabiam e que as fofocas a importunavam.” Para Damigo, foi importante não ter em cena o imperador, nem como coadjuvante. “Tê-lo no palco seria mais uma vez repetir e evidenciar a versão que todos conhecem. O caso que ele teve com a marquesa de Santos, Domitila de Castro, só é citado na montagem já que tornaria dom Pedro, mais uma vez, principal eixo da relação.”
No último momento, o delírio da morte por aborto que levou sua mãe e a avó no passado também assombra a imperatriz, como também é metáfora do nascimento de uma nação. Como se estivesse liberta de seu próprio tempo, a personagem vai comentar, inclusive, a política atual e o lugar das mulheres no poder. “Ela carregava essa crise no corpo físico e politicamente. Foi a responsável pela formação do nosso país”, diz Sara.