Senhores feudais
Levar Brasil a sério na ponta do lápis é risco de um enfarte do miocárdio
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emO Brasil deixou de ser sério muito antes do estadista francês Charles de Gaulle supostamente afirmar com todas as letras para o mundo que nós, viventes do Brasil modelo dos “patriotas”, não éramos sérios. Infelizmente, ele não errou. General da Segunda Guerra Mundial, caso de Gaulle, do alto de seu 1,96m, fosse vivo, estaria se aliando a Adolf Hitler e Benito Mussolini, gênios do mal da Primeira Guerra Mundial, para, com apoio de Napoleão Bonaparte, invadir o Congresso Nacional dos neopentecostais fundamentalistas, comandados ortodoxamente pelos generais da banda Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Tudo isso para lembrar aos meus leitores que, se eles não são, por que eu teria de ser sério?
Melhor brincar com a vida. Melhor aderir de modo crítico à brincadeira dos senhores feudais da Câmara e do Senado, aos quais é creditada a maldita tese de que realmente fazemos parte de uma República do Faz de Conta. Para alguns, a nomenclatura é República de Bananas. A essa altura não importa do que nos denominam. Importante é afirmar que nossa Constituição, a Carta Magna que Ulysses Guimarães levou para o túmulo, é uma mentira deslavada. A começar pela exagerada proteção aos poderosos e, agora, aos pastores evangélicos. Para eles, tudo. E para as estupradas, negros, pobres e gays? A masmorra escura e fétida.
Não há uma semana em que os dois líderes do Parlamento não puxem da cartola de mágicos da sacanagem um tema antigo ou novo para ser modificado na Constituição de 1988. E sempre tudo em nome de Jesus. A criminalização das drogas e a simetria entre aborto e homicídio não apenas chocou os brasileiros de boa índole. Deixou ruborizados e perplexos os representantes do mundo moderno, a maioria procurando o pergaminho assinado por de Gaulle para também aderir à inquestionável história da falta de seriedade na terra de Cabral.
Se querem fazer acontecer, tenho sugestões mais risíveis e fáceis. Ponham melancias no saco e tentem mostrar ao eleitorado nacional que são realmente homens públicos do balacobaco e não do saco bambo como a maioria dos pares. Se não conseguirem, saiam pelados pelas ruas e avenidas das principais capitais do país e provem ao povo de Rolândia, Nhecolândia, Pau Grande e Afoga Bode que o bilau de vocês tem três pontas. Como são pessoas normais e com poderes temporários, parem de abusar de suas prerrogativas de autoridade e sejam mais obedientes. O que vocês queriam, já conquistaram: poder para mentir com autoridade.
Carrego como mensagem de cabeceira uma frase de autoria desconhecida, mas que define bem nossos conhecidos das casas de lei: “O patrão que usa de sua autoridade para assediar subordinados e se sentir poderoso é o pior dos covardes”. No caso, os subordinados são 213 milhões de brasileiros. Por que mudam tanto a Constituição se não a seguem nem dormindo? Falta de conhecimento do dever de casa ou desejo mórbido de mostrar aos familiares que, se não mandam em casa, pelo menos sacaneiam os brazucas. Não pesquisei, mas devemos estar bem próximos das 150 emendas à Carta de 88. Absurdo dos absurdos.
O cidadão comum não está livre das PECs nem no recesso do lar. Querem nos tomar o maior dos direitos dos homens de masculinidade sem a necessidade de prova por meio de votos. Trata-se da inviolabilidade do lar. Dia desses estava eu na intimidade com a mulher quando um brucutu, acompanhado de meia dúzia de meganhas munidos de uma Constituição na mão esquerda e de Bíblias na direita, mete o pé na porta e grita: Eu sou o marido! E eu com isso. Azar o dele que não cumpre com seu dever constitucional. Está aí a prova da assertiva de Charles de Gaulle. Quem usa de suas atribuições somente para comer a paçoquinha dos brasileiros ingênuos tem de se acostumar a experimentar a mandioca alheia ou ver o descabelamento do palhaço em seus aposentos.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras