Maria Madalena Correa do Nascimento, a cirandeira Lia de Itamaracá, vai ocupar um cargo que lhe possibilitará dar nova vida e protagonismo à ciranda, a dança de roda típica de Pernambuco e da Paraíba que por mais de meio século ela espalhou em todo o Brasil e ainda tornou conhecida em muitos países pelo mundo afora.
O prefeito eleito da Ilha de Itamaracá, Paulo Galvão (PSDB), escolheu a última quarta-feira, Dia Nacional da Consciência Negra, para anunciar que Lia será a partir de janeiro a titular da estratégica Secretaria de Turismo do Município com o objetivo de “recolocar Itamaracá num espaço de respeito e relevância como nunca foi visto antes”.
Lia abraçou de pronto seu primeiro cargo público em mais de 50 anos de carreira em prol da cultura pernambucana: “Estou muito feliz. Meu papel será parecido com algo que eu já faço, que é levar o nome de Itamaracá para o Brasil e para o mundo. Quero abrir portas para trazer investimentos para a ilha que carrego no meu nome”.
Ela nasceu há 80 janeiros, preta e pobre, e como a maioria dos brasileiros e brasileiras de pele escura tinha tudo para não dar certo nesse Brasil de uma tal “democracia racial” estimulada pela elite branca no início do século passado, para negar a existência de racismo na sociedade brasileira, simulando uma boa convivência entre os escravos e seus senhores.
A escolha de Lia pelo prefeito eleito da Ilha de Itamaracá para ocupar tão importante cargo em sua futura administração – e da data para anunciar, o primeiro feriado em da Consciência Negra em Pernambuco, um dos estados mais racistas do país, segundo o IBGE – deixa claro que Paulo Galvão exercerá seu mandato de forma distinta que tem caracterizado as administrações locais, sem a presença de pretos.
Apesar do seu reconhecimento nacional e internacional, com a realização de diversos shows levando a música, a dança e a cultura pernambucana, Lia de Itamaracá nem sempre teve o seu trabalho reconhecido pelos governos do PSB de Pernambuco, no poder durante 20 anos, que por diversas vezes privilegiou artistas de fora em detrimento de artistas locais.
No carnaval de 2020, por exemplo, o governo de Paulo Câmara negou à artista um reajuste do cachê que lhe pagava havia 12 anos pelo mesmo valor, de R$ 18 mil por diversos shows no período momesco. Como o governo do estado não chegou aos R$ 25 mil que Lia pediu, naquele ano o carnaval não contou com a participação da cirandeira, que levou sua arte para Natal e São Paulo, das quais recebeu R$ 29 mil e R$ 70 mil por duas apresentações, respectivamente.
“Não querem privilegiar Lia, nós não aceitamos. Queriam ter Lia, mas queriam continuar com o mesmo cachê que pagam para ela há anos. Ficou inviável para a gente trabalhar dessa forma”, protestou na ocasião o produtor e empresário da artista, Beto Hess.
“Esse cachê não está dando. Para os de fora do estado, eles [o governo estadual] dão um cachê tão grande, mas para os da terra, os nativos, é desse jeito. Deviam apoiar a cultura de Pernambuco, os cantores da cultura popular também precisam ser valorizados e ter dignidade para trabalhar”, acrescentou Lia.
Em seus 50 anos de carreira, Lia de Itamaracá solidificou sua condição de ícone da cultura pernambucana, elevando a ciranda a patamares jamais alcançados. Cantora desde os 12 anos, ela só encontraria a ciranda já adulta ao frequentar rodas da dança na praia do Janga, no município de Paulista, próximo a Itamaracá.
Seu trabalho fez a ciranda alcançar visibilidade nos meios de comunicação, com apoio de intelectuais ligados ao Movimento de Cultura Popular e do Movimento Armorial. Lia assume a partir daí, nos anos 1970, a condição de agitadora cultural da Ilha de Itamaracá, participa de concursos para fomentar o turismo na ilha até vencer, em 1974, o Festival de Cirandas, realizado no Recife.
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*Com informações do Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco