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Live de brasileiro tem doce recheio de português

Assim como nas provas orais, nas quais não há segunda chance, na vida a primeira resposta às nossas chamadas espirituais é a que vale. Lembro bem de uma história em uma aula de Português, quando confundi alhos com bugalhos. Quanto ao questionamento oral, o fato se sucedeu em uma arguição normal de um teste de orientação sexual em uma escola do subúrbio do Rio de Janeiro, de onde eu vim com muito orgulho, mas com certa decepção por ter vivido tanto e nunca ter pensado em imaginar tal resposta. De chofre, perguntou a mestra: “A que velocidade um homem comum consegue fazer sexo sem se cansar? A resposta do único aluno que acertou a questão (provavelmente o Joãozinho) foi na lata: “A 68 km, professora, porque a 69 ele já põe a língua pra fora”. Eita menino que sabe das coisas. É a chamada resposta de ocasião.

Em síntese, é o lampejo da sabedoria. Nunca tive esse raciocínio lógico, mas, de vez em quando, produzo, copio ou adapto pérolas tiradas do cotidiano tupiniquim. Ocasionalmente, algumas batem de frente com uma famosa tese de Sérgio Porto, o saudoso Stanislaw Ponte Preta, que sempre teve dificuldade em saber o que incomoda mais o ser humano que se considera acima da média: se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante. Como nos casos de cara e rosto, casa e lar e quarto e dormitório, me parece somente uma questão de semântica. Enfim, a língua portuguesa permite esse tipo de atropelo. No caso da língua pra fora, não deveria haver duplo sentido.

A interpretação fica por conta das mentes desavergonhadamente despudoradas e vulneráveis aos perigos desnudos da carne. Bem aventurados os que são fortes, porque, ainda que a carne seja fraca, não devemos avaliar o pecado como vitamina. Aí, o que verdadeiramente se entende por fraca é a nossa desculpa. Filosofia à parte, o problema realmente é da língua portuguesa e de suas nuances. Por exemplo, entre doidos e doídos, prefiro não acentuar. Claro que nem sempre não acentuar é a melhor solução. Quando menino, preferia o coco ao cocô. Mais velho, opto pela carne em lugar do carnê.

Desconheço a autoria dessas maravilhas linguísticas, mas é impossível não aproveitar a oportunidade para lembrar aos nossos mestres que quem baba não é a babá e quem bebe não é o bebê. Dito isto, asseguro que meus pais vêm do mesmo país e que a romã não é de Roma. O besteirol é interessante, principalmente se considerarmos as liberdades poéticas do cancioneiro popular do Brasil de hoje. Obviamente que não é igual ao de ontem, mas alguns de nossos “brilhantes” compositores teimam em achar que é a mesma coisa dizer que asso na panela de aço um cervo que será servido pelo servo. Pior é quando confundem o concerto do maestro com o conserto do marceneiro ou do sapateiro.

No frigir dos ovos, quanto mais estudo a língua portuguesa mais percebo que nada sei. É por isso que insisto. Como até a dor eu sinto em português, ouso dizer que, se fosse uma faca, a língua nos cortaria a boca. E ela (a língua) jamais morrerá. Enquanto houver um falante, o português será tão claro como a desnecessidade de escolha entre o amem e o amém. Acho que não há língua no mundo que nos permite brincar com a gramática e, ao mesmo tempo, nos fazer parecer intelectuais.

Me faz lembrar uma hipotética frase proferida pelo filósofo alemão Karl Marx em 1838, na cosmopolita Londres, durante o lançamento do primeiro LP de Leandro e Leonardo: O chifre é uma criação da burguesia para vender música sertaneja. Sinceramente, independentemente da sílaba tônica, torço para que meu público entenda aquilo que publico. Sobre a confusão dos alhos com os bugalhos, prefiro não comentar. Digo apenas que associei o socador com o amassador de alho. Deu uma besteira do tamanho daquele presidente que fazia lives em português, mas todos os seus seguidores entendiam em javanês, às vezes até em bolsonarês.

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