E sem beber...
Lúcia e o namorado da prima, um porre na cama
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emUm tipo arrancado dos anos 60 do século passado. Alto, esguio, topete obviamente influenciado por certo cantor, apesar das costeletas comportadas, Orlando era o que se pode dizer de colírio para os olhos. Talvez tenha sido essa aparência milimetricamente desalinhada que atraiu a atenção da quase tímida Lúcia.
Não que a moça fosse santa, pois, até entre os familiares, já possuía fama de desajustada. Olhar disperso para a maioria dos eventos, Lúcia só parecia enxergar aquilo que era de seu interesse. E foi assim quando viu o chamativo acompanhante da prima, a Dulce, adentrar a sala. Muda e sem papas nas ideias, tratou logo de se sentar defronte ao rapaz na ampla mesa onde foi servido o tradicional estrogonofe com arroz branco da família.
Dulce, que não soltava o braço do namorado, não percebeu os leves toques dos pés de Lúcia e Orlando debaixo da mesa. Era nítida a atração que aqueles dois sentiam um pelo outro, o que foi notado por quase todos, a não ser pela traída, que não percebeu o quão canastrão seria seu amado se tentasse carreira no cinema. Quanto à Lúcia, apesar do parceiro de cena sem qualquer talento, certamente mereceria um Oscar, pois sabia como ninguém se fazer de sonsa.
O romance começou assim que os olhares se tornaram dispersos. No entanto, o primeiro toque de lábios só aconteceu na penumbra do jardim, quando a noite já havia caído. Rápido, é verdade, mas suficientemente ardente para que aqueles dois tivessem a certeza de que precisariam ir até o fim da linha, pois estavam cientes de que já haviam cruzado a barreira da moral e dos bons costumes.
Traições em família não eram novidades. Flertes e até casos extraconjugais aconteciam de tempos em tempos, e todos fingiam não saber, e os segredos eram guardados a sete chaves ou, dependendo da ocasião, rememorados pelos que eram apenas plateia. Todavia, até onde se tem notícia, roubar namorado da prima era algo novo. Por conta disso, Lúcia e Orlando acharam por bem manter o relacionamento longe dos holofotes dos fofoqueiros.
Os traidores se embrenharam pelos lençóis dos hotéis mais mundanos lá pelos lados do Núcleo Bandeirante. Amaram-se durante quase um mês, quando o encanto se quebrou. Lúcia constatou que a aparência de bom amante era apenas fachada. Orlando era, na verdade, um porre na cama.
O rapaz, sem que Dulce soubesse daquela falta de decoro familiar, reatou os laços com a antiga namorada. Não tardou, os dois se casaram e, no ano seguinte, a barriga da mulher já anunciava um herdeiro. E, segundo se conta à boca pequena, Orlando e Dulce formam um casal perfeito. Morno, mas perfeito.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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