Luciano morreu por falta de coronavírus. E por jamais ter lido Eurípedes.
Ele tinha 33 anos, era funcionário de uma grande empresa, trabalhava em home office – e estava adorando a quarentena. Sentia falta dos amigos, mas não de mulheres: havia sempre uma kamikaze disposta a visitá-lo e, depois de lavar cuidadosamente as mãos, mergulhar em seus braços até ficar toda lambuzada. Mas eram transas ocasionais e. na verdade, quase tediosas. O que ele adorava, nas longas horas de solidão, era mergulhar nas redes sociais, mobilizar toda a sua parafernália de comunicação e seduzir mulheres desconhecidas e distantes. Ele era assumidamente voyeur e exibicionista, e a pandemia, com sua disseminação de vírus e carências, havia criado um campo fértil de caça.
E o que tinha de mulher carente e tarada! Ele gostava do jogo de sedução com jovens bonitas, mas as que o levavam à loucura eram as que ele chamava para si mesmo, carinhosamente, de taradosas, taradas idosas. Eram mulheres de uns 60 anos para mais, com os filhos criados, em geral divorciadas e que faz tempo haviam deixado para trás os charminhos e falsos pudores Ele era gordo e quase careca, mas elas não davam a mínima.
Depois dos contatos iniciais, quando elas viam pelo vídeo um homem jovem e que evidentemente gostava do fuzuê, mostravam-se nuas e pediam retribuição. O voyeur se deliciava, e o exibicionista docemente atendia, envaidecido. E a todas as taradosas jurava amor eterno, dava seu endereço verdadeiro, combinava morar junto depois da epidemia, coisinhas assim. “Essa josta não vai acabar tão cedo”, pensava. “Até lá, minhas taradas queridas arranjam outro macho e me esquecem”.
No último dia de sua vida, Luciano não estava vendo e sendo visto nas redes. Ele adorava futebol e, sentado no sofá, assistia a uma partida do campeonato alemão, que o Timão ainda estava quarentenado. Depois foi dormir, preparando-se para uma longa noite de voyeurismo/exibicionismo.
Por isso, não testemunhou o milagre, o momento em que Papai do Céu eliminou os coroninhas de uma tacada só. Nem ouviu a voz que ressoou sobre todos os continentes, falando em todas as línguas:
“Desta vocês escaparam, seus filhos de uma égua! Mas na próxima vão se ferrar!”
Enquanto as notícias do milagre repercutiam em todas as mídias, Luciano dormia, com a TV e o celular desligados. Mas, em seis diferentes bairros paulistanos, seis mulheres cheias de desejo saíram de casa para ter, afinal, a ansiada noite de loucuras com o garanhão.
Ele estava no banho quando elas chegaram diante do seu prédio. Não se sabe exatamente o que aconteceu. Talvez algumas se conhecessem e uma perguntasse onde a outra ia; talvez alguma mencionasse o seu nome. O fato é que começaram a conversar, descobriram que o filho da mãe jurara amor a todas elas, morar com cada uma delas. O ódio somou-se ao desejo – a mistura explosiva de As Bacantes, de Eurípides – e, enfurecidas, decidiram castigar o traidor.
O porteiro bem que avisou:
-Seu Luciano, tem umas mulhé querendo subir.
Ele não notou o plural, ou pensou que eram duas kamikazes e que ia rolar uma festinha, e autorizou a subida. Ao abrir a porta, só de toalha, deparou-se com as seis taradosas. Ao vê-lo quase nu, com um paninho escondendo o que ele prometera como exclusividade a cada uma delas, ficaram ainda mais enlouquecidas de desejo e furor.
Se Luciano tivesse lido As Bacantes, saberia que tal mistura de emoções arrebatadoras estava presente nas mênades (bacantes), devotas do deus Dioniso na tragédia de Eurípedes. É uma combinação mortal e, em tais condições, a fuga é a única saída. Elas com certeza lhe arrancariam a toalha e provavelmente cravariam as unhas em suas costas, deixando-as em carne viva, mas sobreviveria. Mas ele nunca ouvira falar em Eurípides ou em sua peça teatral, e cometeu o erro fatal de buscar o diálogo.
– Posso explicar, queridas. Somos todos adultos e…
Não terminou a frase. Rosnando, as mênades paulistanas lançaram-se sobre ele e, repetindo as ações das gregas, dilaceraram o seu corpo com unhas e dentes até fazê-lo em pedaços.