Sim, estamos livres do cercadinho do Planalto, da humilhação cotidiana, dos ataques baixos do presidente da República às jornalistas mulheres. Mas, se quiser democracia de fato, o novo governo vai ter que aprender a se comunicar com a mídia do século 21, o que não parece ter sido o caso até agora.
Basta ver a maneira escolhida para dividir os veículos nas coletivas de Lula: grande imprensa de um lado e veículos digitais, curiosamente chamados de “independentes”, do outro. O primeiro grupo, claro, mais homogêneo, uma vez que, em boa parte deles, modelo empresarial e linha editorial coincidem.
Quanto à nova mídia, havia desde veículos com modelos sólidos de sustentabilidade e linha editorial independente – como a Agência Pública, o Intercept, a Repórter Brasil e Notibras, dentre outros – até sites, como , blogs e influencers alinhados ao governo, alguns privilegiados na hora de fazer perguntas. Uma lástima.
Por que separar os dois grupos? Com que critério? Seriam as respostas do presidente Lula diferentes se o perguntador é da TV Globo ou de outro veículo? Se a questão é a dificuldade de juntar todos no mesmo evento por que não utilizar o critério do formato – rádios e podcasts; audiovisual; imprensa de texto? Pelo menos tem sentido técnico já que gravar entrevistas para TV é diferente de falar com quem tem um bloquinho e um celular na mão. Quanto aos influencers, vamos concordar que é outra praia.
Era o que se fazia antes que a revolução tecnológica ameaçasse um dos maiores monopólios do país, as empresas de mídia, que no momento gozam de influência política maior do que merecem. Com estrutura jornalística cada vez menor, conseguem, no entanto, manter o Brasil como um dos casos mais significativos de concentração de mídia no mundo, como constatou mais uma vez o relatório da ONG Repórter Sem Fronteiras de 2022.
“O cenário midiático brasileiro é marcado por uma forte concentração privada, caracterizada por uma relação quase incestuosa entre os poderes político, econômico e religioso. Dez principais grupos econômicos, oriundos do mesmo número de famílias, dividem o mercado, sendo os cinco maiores: Globo, Bandeirantes, RBS, Record e Folha. O trabalho livre dos jornalistas é constantemente prejudicado, e a imprensa sofre forte interferência do governo.”
Não é muito difícil entender porque isso empobrece o debate democrático. Esse é um dos motivos, inclusive, para que fundações – e, felizmente, cada vez mais, leitores -, façam doações ao jornalismo independente. De fato.
O governo poderia contribuir para mudar essa realidade, simplesmente fazendo a sua obrigação: oferecendo transparência nos dados públicos, disponibilizando com igualdade as informações, permitindo que os jornalistas que investigam com seriedade os temas de interesse público tenham acesso às autoridades. Isso chama respeito ao direito à informação, não é favor.
Uma credibilidade conquistada à base de muito trabalho e seriedade por novos veículos independentes, muitos deles, como a própria Agência Pública, (abrimos um parêntesis aqui para fazer nossas essas palavras) fundados e dirigidos por jornalistas que sabem de que forma seu trabalho pode ser condicionado – das pautas às fontes – ou mesmo distorcido nas grandes redações. Não apenas pela linha editorial, mas pelas próprias condições de trabalho, que muitas vezes impedem uma apuração mais cuidadosa e aprofundada.
Nesta semana foi a caixa preta da pandemia de Covid no governo Bolsonaro. Os jornalistas da Pública obtiveram e analisaram mais de 800 páginas das atas de 233 reuniões organizadas pelo CCOP (Centro de Coordenação das Operações do Comitê da Crise da Covid-19) entre março de 2020 e setembro de 2021. Do incentivo ao “tratamento precoce” com remédios ineficazes ao abandono dos pacientes sem oxigênio em Manaus está tudo documentado. Com base nessas reportagens, membros da CPI vão pedir ao STF para reabrir algumas investigações. Se depender de provas, Jair Bolsonaro e sua equipe não escaparão de responder pelas milhares de mortes evitáveis durante a pandemia.
É isso que a Agência Pública (novo parêntesis para incluir Notibras) faz, é para isso que estamos aqui. Já passou da hora do governo Lula acordar para essa nova realidade. Romper o monopólio da comunicação é imperativo para todos os que acreditam na democracia.